A genômica do futuro: Seu DNA no seu bolso!

A natureza humana é pautada na busca por conhecimento e a promessa genômica de entender passado, presente e futuro tem atraído muitas pessoas
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Após a conclusão do Projeto Genoma Humano, as tecnologias de sequenciamento de DNA tornaram-se cada vez mais disponíveis, assim como o conhecimento do nosso código genético, que tem aumentado progressivamente e trazido à tona inúmeras possibilidades a cerca de genômica.

A natureza humana é pautada na curiosidade e no conhecimento, e a necessidade de nos conhecer levou mais de 26 milhões de pessoas ao redor do mundo a realizarem os testes genéticos disponíveis hoje no mercado. A estimativa é que esse número alcance 100 milhões de pessoas em 2021.

Esses números são surpreendentes e mostram o quanto o interesse das pessoas tem se voltado para o conhecimento do seu código genético, para a genômica das predisposições e heranças que ele carrega. A necessidade de compreender a nossa existência, nosso passado e nosso futuro é provavelmente o principal motivo pelo qual a genealogia se tornou o segundo maior resultado de buscas em sites, ficando atrás apenas de pornografia (acredite se quiser!).

Hoje, a genômica é uma indústria de bilhões de dólares que gera sites lucrativos, programas de televisão, dezenas de livros e – com o advento dos kits de teste genético de venda livre – uma indústria de testes de ancestralidade de DNA.

Mas como esses testes funcionam?

Ao comprar um desses testes para sequenciamento do seu DNA, você recebe em casa um kit para coleta, que orientam os consumidores a cuspir em um tubo ou esfregar suas bochechas com cotonetes, e enviar a amostra de volta para que seus genomas sejam analisados.

A partir do material coletado, o DNA é extraído e são analisados ao redor de, no mínimo, 600.000 polimorfismos. Cada região do mundo tem uma assinatura genômica diferente, e essas diferenças surgiram ao longo das eras pré-históricas, quando as populações humanas foram separadas. Com essa análise, é possível então buscar a origem filogenética de cada indivíduo.

Muitas pessoas querem também usar esses serviços para comprar o seu DNA com outras pessoas, já que se duas pessoas apresentarem grandes trechos de DNA idêntico, significa que são parentes próximos. Ainda, seu DNA pode dizer algo sobre certas características como o formato do seu nariz, da sua orelha, a percepção de sabores, ou mesmo a predisposição de risco para algumas doenças.

A genômica do futuro já está disponível para todos

As condições técnicas, o tempo e o custo do sequenciamento de genomas foram reduzidos por um fator de 1 milhão em menos de 10 anos. Então, quando o preço de um genoma alcançar o de um teste sanguíneo, e a análise de dados acontecer em camadas (e a precificação acontecer de acordo com o nível de informação analisada), nós conseguiremos mensurar quantas áreas da nossa vida são impactadas pela genética.

Para os consumidores dos testes disponíveis atualmente, é possível dizer que ele gera entretenimento, como por exemplo: pistas em relação a ancestralidade, a chance de descobrir segredos familiares (como parentes desconhecidos), entre outros. No entanto, as consequências em relação à privacidade vão além, e conforme os bancos de dados crescem, tem sido possível traçar a relação entre praticamente todos os americanos, incluindo aqueles que nunca compraram um teste!

O que esperar dos resultados?

A princípio, prepare-se para um mundo de informações novas… São mais de 3 bilhões de pares de bases sequenciados, e uma possibilidade infinita de resultados. Isso pode ser fascinante e assustador ao mesmo tempo, já que nem sempre sabemos o que fazer com tanta informação.

Hoje, as principais empresas que oferecem esse tipo de teste descrevem basicamente a genômica da ancestralidade. Poucas empresas oferecem informações sobre a saúde dos consumidores. Em 2018, o FDA (US Food and Drug Administration) autorizou a testagem de dois genes relacionados ao câncer de mama, e recentemente, falou sobre a possibilidade de reportar aos consumidores sobre o risco de câncer de próstata.

Além dos resultados que rastreiam a ancestralidade, é possível compreender melhor as suas aptidões para exercícios físicos, fatores de risco para doenças como câncer, trombose, doenças cardíacas, bem como informações importantes sobre farmacogenômica, que lida com a variabilidade das respostas às drogas baseadas no código genético.

No entanto, apesar de parecer relativamente simples de interpretar, o resultado de um exame genético pode trazer algumas inseguranças e incertezas, e um dos maiores debates hoje é o que de fato fazer com toda essa informação? Como e quando procurar auxílio médico?

Além disso, hoje sabemos que muitas variantes de significado clínico desconhecido podem, em algum momento, passar a serem consideradas patogênicas. Isso pode ter um impacto muito importante para o resultado daquele teste, e saber quando e como reinterpretar esses resultados é, também, extremamente importante.

Muitas pessoas não tem o conhecimento prévio necessário para compreender os possíveis impactos de um teste de sequenciamento de DNA, nem quais são as possíveis respostas e incertezas que um teste como esse pode trazer. Pensando na genômica do futuro, cada vez mais pessoas terão acesso a esse tipo de teste e, portanto, é necessária a contínua criação de diretrizes para orientar os consumidores.

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A ética por trás da privacidade

Quando o consumidor adquire um kit de sequenciamento do genoma, é necessário pagar com o cartão de crédito e digitar um endereço. Além disso, é necessário digitar um e-mail para realizar um cadastro que permitirá acesso aos resultados posteriormente. Você já parou para pensar que todas essas informações ficam, de alguma forma, atreladas ao resultado ao resultado seu sequenciamento de DNA, e que se tornarão um arquivo de dados repleto de As, Ts, Cs e Gs.

Todas essas peças do grande quebra-cabeças que é o nosso DNA ficam disponíveis para serem acessados, lidos, relidos, e interpretados novamente, quantas vezes o consumidor desejar. No entanto, essas informações também ficam à disposição da empresa, e isso pode preocupar muitas pessoas. A informação genômica é extremamente valiosa hoje em dia, e muito disputada principalmente pela indústria farmacêutica.

Outra questão importante é a possibilidade de estereotipar e estigmatizar as pessoas baseando—se no seu código genético. Sabemos que alguns indivíduos de algumas populações são mais predispostos a serem afetados por determinadas doenças do que outras populações, e então, o conhecimento da genômica de alguns indivíduos pode levar à criação de estereótipos genéticos. Essa estigmatização baseada no conhecimento genético pode ser extremamente séria e até considerada criminal, e a partir do momento em que temos acesso à tantas informações sobre o nosso genoma, é extremamente difícil de controlar o que será feito com esses dados, como eles serão utilizados e devidamente protegidos.

O quanto a genômica está segura?

As empresas que realizam esse tipo de serviço têm investido em protocolos para anonimizar os dados genéticos de cada indivíduo. O primeiro passo seria justamente limpar toda essa informação gerada no cadastro para aquisição do teste, e então, a sua amostra já seria processada de maneira não identificada.

No entanto, temos uma questão interessante a considerar: O genoma por si só é um identificador único. Nos últimos anos, pesquisadores tem demonstrado que é incrivelmente possível identificar indivíduos baseando-se apenas no seu DNA, utilizando bancos de dados públicos como os que a polícia utiliza, e assim, temos uma informação ainda mais exclusiva do que seu próprio nome: o seu código genético!

De fato, uma possível maneira de prevenir hackers de DNA de roubar informações genômicas de um repositório é criptografar esses dados. Mas aí surgiria outro problema: a análise de uma sequência de DNA depende basicamente da comparação com o DNA de outras pessoas, e por enquanto, não criptografar é a única forma de compreender o que as letras significam.

O futuro da genômica

O filme Gattaca, lançado em 1997 próximo à conclusão do sequenciamento do genoma humano, mostrou uma visão interessante e preocupante: Um mundo dividido pelo DNA. No filme, poder e prestígio estavam associados aos indivíduos “válidos”, com o genoma ideal, enquanto os indivíduos “inválidos” seriam uma classe inferior. Rapidamente, esse filme levantou questões importantes sobre o que estava por vir a partir do conhecimento do nosso código genético. Desde então, nossa habilidade de sequenciar e interpretar o código genético avançou de maneira extremamente rápida, na mesma velocidade em que discussões sobre as consequências desses avanços tem sido trazidas à tona.  

O grande receio que move os maiores mitos sobre a genômica é que ela é uma ciência determinística. No entanto, apesar da informação contida no nosso DNA ser inalterável (pelo menos por enquanto), hoje sabemos que fatores ambientais são extremamente capazes de modular a maneira como o nosso DNA, e consequentemente nossos genes, serão expressos. A ciência tem mostrado cada vez mais que apesar do que possa estar contido no nosso código genético, nossos hábitos, estilo de vida, e exposições a diversos fatores podem determinar a saúde e a longevidade, mais do que a própria genética em si.

Acredita-se que em um futuro não tão distante, o sequenciamento do DNA se tornará tão comum em um consultório médico quanto medir sua pressão arterial. Chegaremos em uma consulta com o nosso genoma no bolso, literalmente, e até lá, precisamos conseguir lidar cada vez melhor com as questões éticas e interpretativas que a genômica do futuro nos impõe.

Referências

  • Robertson, J.A. The $1000 genome: ethical and legal issues in whole genome sequencing of individuals. Am. J. Bioethics, 3, W35–W42. 2003
  • Morris W. Foster, Richard R. Sharp, Ethical issues in medical-sequencing research: implications of genotype–phenotype studies for individuals and populations, Human Molecular Genetics, Volume 15, Issue suppl_1, 15 April . Pages R45–R49. 2006
  • Debora Kotz. FDA authorizes, with special controls, direct-to-consumer test that reports three mutations in the BRCA breast cancer genes. FDA NEWS RELEASE. March 06. 2018
  • Jackson, C., Gardy, J.L., Shadiloo, H.C. et al. Trust and the ethical challenges in the use of whole genome sequencing for tuberculosis surveillance: a qualitative study of stakeholder perspectives. BMC Med Ethics 20, 43. 2019.
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