Doenças Autossômicas Recessivas: Como Ocorrem?

As Doenças Autossômicas Recessivas são herdadas através dos padrões de herança mendelianos. Entenda!

As doenças autossômicas recessivas são condições genéticas que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Herdadas através dos mesmos mecanismos inicialmente observados por Gregor Mendel no século XIX, as doenças autossômicas recessivas compõem um conjunto clínico heterogêneo, com diferentes manifestações.

Quer saber mais sobre estas doenças? Acompanhe o texto! Nele falamos sobre as bases da herança mendeliana, o que são doenças autossômicas recessivas, como são herdadas e como podem ser prevenidas!

Bases da herança mendeliana

Quando um gameta masculino (espermatozóide) fertiliza um gameta feminino (óvulo) forma-se um zigoto. Neste, dois conjuntos de 22 cromossomos autossômicos e 1 cromossomo sexual são herdados de ambos os pais.

Dessa forma, um indivíduo qualquer possui duas cópias (alelos) de um mesmo gene. Apesar disso, os padrões da herança monogênica nos indicam que diferentes alelos possuem diferentes níveis de expressão. 

Em outras palavras, dois alelos diferentes de um mesmo gene podem ter diferentes chances de expressar determinado fenótipo no indivíduo, mesmo que este possua ambos os alelos.

O que é Herança Monogênica?

A Herança Monogênica é aquela na qual um determinado fenótipo/traço é controlado por um único gene/locus.

Em linhas mendelianas gerais, podemos classificar os alelos como “dominantes” e “recessivos”. 

Um alelo dominante é aquele que manifesta um determinado fenótipo mesmo quando apenas uma cópia dele está presente (heterozigose). Alelos recessivos, por outro lado, somente expressam seu fenótipo quando dois alelos idênticos estão presentes no genoma do indivíduo (homozigose).

Isso ocorre porque os alelos dominantes possuem uma expressão fenotípica mais forte e podem “encobrir” a expressão dos alelos recessivos em um indivíduo heterozigoto, ou seja, que possui um alelo dominante e um recessivo.

É importante ressaltar, entretanto, que embora útil para a discussão a seguir, esta lógica não se mantém intacta a níveis moleculares. Atualmente, sabe-se que a expressão bialélica é a regra em indivíduos diplóides. Ou seja, a maioria dos genes são transcritos em ambos os alelos, mesmo quando o fenótipo observado pode estar mais associado a um determinado alelo do que ao outro.

O que são doenças autossômicas recessivas?

As doenças autossômicas recessivas compõem um grupo de fenótipos monogênicos não-sexuais expressos somente na presença de dois alelos recessivos.

Sendo assim, este tipo de doença manifesta-se quando um indivíduo recebe uma cópia defeituosa de um gene de seu pai e outro de sua mãe, mesmo quando seus pais não são afetados pela condição.

Uma vez que não ocorrem em alossomos (cromossomos sexuais), as doenças autossômicas recessivas afetam tanto mulheres quanto homens. Além disso, a chance de transmissão de alelos relacionados a esse tipo de doença aumenta quando em laços de consanguinidade.

Como as doenças autossômicas recessivas são herdadas?

Em geral, a herança de características monogênicas pode ser entendida a partir da mesma lógica elaborada por Gregor Mendel no século XIX. Tomemos a anemia falciforme como exemplo de traço monogênico e de doença autossômica recessiva.

A Anemia Falciforme é uma doença hematológica, na qual o gene que codifica parte da hemoglobina encontra-se em uma forma disfuncional. 

A montagem inadequada desta proteína diminui a capacidade funcional das hemácias de carregar oxigênio, gerando problemas sistêmicos relacionados à respiração aeróbica. Adicionalmente, as hemoglobinas anormais fazem com que as hemácias assumam a forma de foice ou meia-lua, daí o nome da doença.

Para que um indivíduo seja afetado pela anemia falciforme, é necessário que ele receba dois alelos disfuncionais do gene da Hemoglobina Beta (HBB). Para que isso aconteça, ambos os pais precisam, ao menos, serem portadores desta mutação no gene HBB.

Neste caso, existe uma chance de 25% de que um filho deste casal seja afetado pela anemia falciforme. De maneira análoga, caso um dos pais seja portador da mutação e o outro seja afetado, este risco sobe para 50%. No caso de ambos os pais serem afetados, a chance de que seus filhos também o sejam é de 100%, tal qual ilustrado pela imagem abaixo.

doenças autossômicas recessivas

Esse padrão de herança é aplicável a todos os traços autossômicos recessivos, o que inclui todas as doenças do gênero. É importante notar que, embora em alguns casos os filhos não sejam afetados, eles podem ser portadores da mutação.

Em muitos casos, portadores -não afetados- de alelos que causam doenças autossômicas recessivas descobrem o serem apenas quando um filho nasce afetado ou mediante a testagem genética prévia.

Exemplos comuns de doenças autossômicas recessivas?

Além da anemia falciforme, outras doenças também são herdadas de maneira semelhante, embora a natureza clínica delas seja diferente. 

Um segundo exemplo de doença autossômica recessiva é a Fibrose Cística. Nesta doença, o gene afetado chama-se CTFR (Regulador da Condutância Transmembrana da Fibrose Cística), que em condições normais está relacionado à regulação da secreção de líquidos por meio do transporte de cloretos.

Isso faz com que as secreções mucosas (muco) produzidas pelas pessoas com Fibrose Cística possuam uma viscosidade anormal que, em consequência, obstrui os canais aéreos com maior facilidade, bem como outros ductos relacionados ao fígado, aos rins e também ao sistema reprodutivo.

Outra doença autossômica recessiva de razoável prevalência é a Fenilcetonúria. A herança de cópias disfuncionais do gene da Fenilalanina Hidroxilase (PAH) impede que indivíduos afetados metabolizem o aminoácido Fenilalanina, deixando de convertê-la em Tirosina.

O acúmulo de Fenilalanina em níveis tóxicos no sangue e no cérebro gera danos potencialmente severos para as pessoas com fenilcetonúria. Apesar disso, quando diagnosticadas precocemente, estas pessoas podem levar uma vida normal, desde que com dietas que restringem a ingestão de Fenilalanina.

Por fim, um terceiro exemplo relevante para a discussão das doenças autossômicas recessivas é a Atrofia Muscular Espinhal (AME). Nesta doença, mutações no gene SMN1 (e em menor grau, no gene SMN2) levam à formação de proteínas de Sobrevivência do Neurônio Motor defeituosas, relacionadas à função normal dos neurônios motores. 

Com isso, os neurônios motores das pessoas com AME acabam por sofrer degeneração, o que na prática se traduz na perda progressiva do tônus muscular, bem como na fraqueza e na paralisia de músculos que incluem o diafragma.

Como as doenças autossômicas recessivas podem ser prevenidas?

As doenças autossômicas recessivas podem ser prevenidas por meio da testagem genética dos pais. Conhecer suas próprias características genéticas é um passo fundamental para garantir que os filhos não sejam afetados.

Dessa forma, o aconselhamento genético é imprescindível nos casos em que o histórico familiar indica a possibilidade de que os pais sejam portadores de alguma variante genética capaz de causar doença autossômica recessiva.

Embora alguns casais terminem por desistir da gravidez por possuírem este tipo de alelo, é importante destacar que uma opção preferível pode ser o diagnóstico pré-implantacional, realizado no contexto da reprodução assistida.

Com ele, é possível selecionar os gametas não afetados pela mutação e, consequentemente, formar embriões livres do risco de doenças autossômicas recessivas.

Além disso, no Brasil, o Teste do Pezinho é um dos grandes responsáveis pelo rastreio de diversas doenças autossômicas recessivas, que incluem as três citadas anteriormente. Com apenas algumas gotas de sangue, esta forma de triagem neonatal é importante para que os recém nascidos sejam precocemente diagnosticados e tratados. 

Assista nosso webinar sobre Diagnóstico Precoce de Atrofia Muscular Esquelética através do teste do pezinho:

Referências

Gulani A, Weiler T. Genetics, Autosomal Recessive. StatPearls Publishing, 2022.

WILLARD, Huntington et al. Thompson & Thompson genética médica. 8. Ed. Editora Guanabara, 2016.

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