Biologia celular: origem e evolução da vida na Terra

O cerne da biologia celular parte da investigação de como se deram as primeiras formas de vida na Terra. Aprenda sobre as principais teorias.

Entre os vários elos que podem existir entre a geologia e a biologia celular, certamente, aquele que envolve a origem e evolução da vida na Terra é um dos mais impressionantes. Ao falar a respeito, obrigatoriamente passamos pela origem do sistema solar e do universo. O Big-Bang é considerado o evento que deu origem a formação do universo. Os elementos químicos tiveram origem nele, tamanha a energia envolvida na explosão. Os elementos mais “leves” teriam sido os primeiros a surgir, logo nos primeiros segundos. Durante os últimos estágios da evolução cósmica, muitas das estrelas compactas teriam queimado e formado elementos como o carbono, oxigênio, enxofre, silício e ferro. 

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Figura 1: As cores representam os comprimentos de onda consequente da combustão de diferentes elementos químicos formados durante a explosão que deu origem ao universo, o Big-Bang.

Há muitas controvérsias quanto a idade do universo e do sistema solar. Acredita-se, por meio de inferências, que seria algo em torno de 15-12 bilhões de anos e 5-4 bilhões de anos, respectivamente. Nesse contexto, o surgimento da vida terrestre está associado a um cenário obscuro onde ninguém sabe ao certo como e quando se deram as condições para isso.

Figura 2: Tudo indica que nosso planeta foi uma bola incandescente por milhares de anos, com intensa atividade vulcânica, bombardeado por muitos elementos vindos do espaço e atmosfera sem camada de ozônio – possibilitando que os raios ultra violetas (UV) atingissem livremente a superfície. Até que, passados outros milhares de anos, a atmosfera como conhecemos hoje fosse formada como consequência do resfriamento natural do planeta, inclusive com o auxílio de chuvas e tempestades, contribuindo com a formação dos oceanos.

Tampouco sabe-se como eram as primeiras formas de vida. O cerne da biologia celular parte dessa investigação. Hipóteses recentes sustentam que a vida literalmente veio para a terra de alguma forma, talvez através de caronas em meteoritos. Correntes mais ortodoxas acreditam que ela tenha surgido espontaneamente nos mares ancestrais através de protocélulas. 

Compostos orgânicos, oriundos de gases da atmosfera primitiva teriam se unido por afinidade química diante de um contexto favorável em meio aquoso. Raios UV e descargas elétricas teriam um papel chave como fonte energética. Reunidas as condições necessárias, aglomerados de moléculas protéicas foram naturalmente sintetizadas, os coacervados. Tal teoria é a mais aceita pela maioria dos investigadores. Essas moléculas teriam sido envolvidas pela água salgada, devido ao potencial de ionização de algumas de suas partes. 

Até hoje os estudiosos da área de biologia celular estão diante de incertezas, muitas perguntas e hipóteses. Como surgiu a vida na Terra? Em que momento da formação do planeta ela surgiu? Como eram as primeiras células? Teriam os coacervados sido as primeiras protocélulas?

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Teoria de Oparin e Haldane

Embora tenham sido descobertas no século XVII, demorou mais de um século para que alguém percebesse que as células eram a base de todo tipo de vida. Muitos estudiosos se propuseram a investigar a origem da vida como a conhecemos. Desde os gregos, antes de Cristo, até os dias de hoje não temos certeza alguma. A teoria mais aceita até hoje refere-se aos trabalhos independentes do russo Aleksandr Ivanovich Oparin, de 1924, e do inglês John Burdon Sanderson Haldane, de 1929, a qual discutiremos adiante.

O maior passo científico do século XIX na área das Ciências Biológicas deu-se em 1859 quando Charles Darwin propôs a teoria da evolução das espécies.  No entanto, nada diz sobre como o primeiro organismo teria se originado e evoluído de seres unicelulares para multicelulares. Em 1871, Charles Darwin especulou sobre o que aconteceria com uma pequena quantia de água, cheia de componentes orgânicos simples, que fosse banhada pela luz solar. Ele sugeriu que alguns desses compostos poderiam, hipoteticamente, combinarem-se formando uma substância com características relacionadas à vida – por exemplo, uma proteína – e, talvez,  progredir para algo mais complexo. Era uma ideia inicial que se tornaria inspiração para a primeira hipótese de como a vida começou décadas depois.

A Teoria de Oparain e Haldane, um marco na biologia celular, propõe a existência de coacervados formados a partir de ligações entre compostos orgânicos que teriam se originado no mar primitivo. Dadas as dimensões gigantescas do oceano, milhares de coacervados distintos poderiam ter surgido. Enquanto os mais instáveis desapareceram, outros, mais estáveis, uniram-se a moléculas inorgânicas originando coacervados complexos que teriam evoluído para as primeiras protocélulas. Obtida inicialmente das descargas elétricas das tempestades e dos raios UV, a energia passou, em algum momento, a ser obtida de forma bioquímica. 

Figura 2: Os coacervados são facilmente obtidos em condições de laboratório.

A proto membrana que circundava os coacervados teriam se tornando mais especializadas, possibilitando um controle seletivo da entrada e saída de substâncias. Certas formas de organização molecular, através do condicionamento do meio, tornaram-se dominantes e, gradualmente, desenvolveram-se até as formas estruturais básicas que caracterizam as moléculas vivas hoje. Esses são os pontos básicos da hipótese de Oparin e Haldane, entretanto, até 1952 não havia evidência experimental de tudo isso. 

Foi quando entrou em cena o americano Stanley Lloyd Miller. O químico californiano conduziu o mais famigerado experimento já feito sobre a origem da vida. Através da conexão em série de vidrarias pelas quais circulavam quatro compostos químicos que estariam presentes nos primórdios do nosso planeta – água fervendo, gás hidrogênio, amônia e metano – Miller encontrou dois aminoácidos: glicina e alanina. Aminoácidos são comumente descritos como os blocos fundamentais para se construir a vida. 

Biologia celular e a multicelularidade

Os seres multicelulares – ou pluricelulares – são formados por mais de uma célula. Os reinos Animalia e Plantae são compostos, exclusivamente, por organismos com tal característica. A evolução de células distintas, especializadas em funções diferentes e dentro de um mesmo organismo só foi possível graças ao processo de multicelularidade. Porém, a difícil fossilização de seres basais compostos por partes moles, dificulta a compreensão de como se deu tal processo e a pergunta fica no ar: Como teriam surgido os primeiros organismos multicelulares? Existem três teorias principais, aceitas pelos pesquisadores de biologia celular, sobre como os organismos tornaram-se multicelulares.

A Teoria Colonial é, por enquanto, a mais aceita entre os estudiosos, visto que existem colônias em diversos grupos protistas onde, em certos casos, tem-se um tênue diferenciação funcional entre as células da colônia (o que não as caracteriza como tecido). Essa teoria parte da hipótese de que seres unicelulares constituintes de colônias devem ter originado os primeiros seres multicelulares. Um exemplo seriam as algas verdes do gênero Volvox.

Segundo a Teoria Simbiótica, os primeiros seres multicelulares seriam oriundos da simbiose entre células de diferentes organismos protistas. Já a Teoria Sincicial, ou de celularização, parte de um único organismo unicelular polinucleado que teria desenvolvido membranas internas em volta de cada um desses núcleos, como ciliados e certos fungos. Essas duas últimas teorias carecem de embasamento e atualmente acredita-se, embora a teoria colonial seja mais aceita dentro da biologia celular, que a multicelularidade não teve um único centro de origem. É provável que esse processo tenha evoluído de forma independente em diferentes linhagens de organismos, onde estão incluídos animais, plantas terrestres, fungos e algas – marrons, vermelhas e verdes.

Recentemente, uma descoberta pode dar luz à questão da multiceluridade. Novamente, geologia (agora na sua vertente, paleontologia) encontra-se com a biologia celular. Foi publicada no dia 13 de abril de 2021, na revista Current Biology, a descoberta de um microfóssil, denominado Bicellum brasieri. Este pode ser o indício do animal multicelular mais antigo já encontrado. Cientistas da Sheffield University (Reino Unido) e do Boston College (EUA) estimam que o achado tenha algo em torno de 1 bilhão de anos. A descoberta pode mostrar novos caminhos para compreensão da evolução do processo da multicelularidade. 

O clado Holozoa é um grupo de seres onde estão incluídos o reino Animalia e seus parentes unicelulares mais próximos – exceto fungos, localizados em outro clado – que se originam de um ancestral comum. O fato é que o fóssil de Bicellum brasieri pode pertencer ao grupo Holozoa e, dessa forma, sugerir outra perspectiva sobre a transição de organismos unicelulares para complexos organismos multicelulares. 

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Figura 3: Encontrado na Escócia, o microfóssil tem forma esférica e apresenta dois tipos distintos de células. Graças a seu estado de preservação, o qual permitiu ser analisado a nível celular e subcelular, os cientistas conseguiram estudá-lo.

Tratando-se de ciência, nunca existe 100% de certeza. As hipóteses são avaliadas por estatística sendo colocadas dentro de intervalos de confiança. Bater o martelo, colocando uma verdade como absoluta, seria excluir a possibilidade de se reconhecer um erro ou de que mais de uma verdade possa existir, algo fora de cogitação dentro do método científico. Por isso a ciência nunca para.

Referências:

Alberts, B.; Bray, D.; Lewis, J.; Raff, M.; Roberts, K.; Watson, J. D. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

Darwin, C. (2009). Origem das Espécies. In Livro.

Ferreira Junior, N. & Paiva, P. C. 2010. Aula 14: Origem dos Metazoários. In: Ferreira Junior, N. & Paiva, P. C. Introdução à zoologia v. 2 – Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 90p.

Griffiths, A. J. F., Wessler, S. R., Lewontin, R. C., & Carroll, S. B. (2006). Introdução a Genética. In Guanabara Koogan.

Miller, S. M. 2010. Volvox, Chlamydomonas, and the evolution of multicellularity. Nature Education. 3 (9): 65.

Stanley, S. M. 1973. An Ecological Theory for the Sudden Origin of Multicellular Life in the Late Precambrian. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 70 (5): 1486-1489.

As teorias para o surgimento das primeiras células – e da vida na terra. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/vert-earth-38205665> Acesso em: 7 mai. 2021.

A possible billion-year-old holozoan with differentiated multicellularity. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982221004243> Acesso em: 7 mai. 2021.

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