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Embora todo câncer seja genético, apenas alguns casos são chamados de câncer hereditário. Isso significa que o material genético que adquirimos de nossos pais pode conter variantes genéticas que aumentam nosso risco de desenvolver câncer no decorrer da vida.
Ficou curioso? Acompanhe o texto para entender o que é a Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer, quais são as formas que essa Síndrome assume e como é realizada sua detecção!
O que é o câncer hereditário?
O câncer hereditário é o nome popular para a predisposição hereditária ao câncer, e acontece quando um indivíduo herda cópias defeituosas de genes associados ao controle do câncer no organismo.
Ao falarmos em câncer hereditário, é importante ressaltar que o câncer em si não é herdado, mas sim um risco aumentado ao seu desenvolvimento, o que é causado por variantes genéticas. Todo câncer é uma doença multifatorial, o que significa que fatores ambientais também possuem importante papel em seu desenvolvimento
A hereditariedade é a propriedade da vida de transmitir informação genética de progenitores para sua progênie (prole). É a partir dos mecanismos envolvidos com a hereditariedade que herdamos, de nossos pais, duas cópias (alelos) de todos os genes.
Em algumas dessas cópias, entretanto, podem existir variantes genéticas (antes chamadas de mutações) patogênicas, capazes de aumentar a predisposição de um indivíduo ao câncer. Atualmente, cerca de 10% dos casos da doença podem ser relacionados com heranças deste tipo, constituindo as chamadas Síndromes de Predisposição Hereditária ao Câncer (SPHC).
Síndrome de predisposição hereditária ao câncer (SPHC)
Em essência, todos os seres humanos encaram riscos de desenvolvimento de câncer, seja por questões ambientais (como a exposição a agentes mutagênicos) como por alterações genéticas que ocorrem em nosso DNA de maneira aleatória.
Apesar disso, muitas formas de câncer ocorrem com maior frequência entre familiares de um paciente da oncologia do que entre a população em geral. Este fenômeno é explicado pela herança de genes com variantes patogênicas de alta penetrância em famílias com histórico de câncer e pode ser chamado de câncer hereditário

Os casos nos quais podem ser observados padrões de risco de desenvolvimento de câncer entre diferentes indivíduos de uma mesma família são chamados de Síndromes de Predisposição Hereditária ao Câncer (SPHC).
Atualmente, são conhecidas dezenas de variantes genéticas que aumentam o risco de desenvolvimento de diversas formas de câncer, como veremos na sequência.
Quais os tipos de câncer hereditário?
Algumas das diversas formas de câncer podem ser correlacionadas com a hereditariedade. A Síndrome Hereditária de Câncer de Mama e de Ovário é um notório exemplo de Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer.
Variantes patogênicas presentes nos genes BRCA1 e BRCA2 são identificadas em cerca de 5% a 10% de todos os casos de câncer de mama. Sendo assim, tais variantes são capazes de aumentar o risco ao desenvolvimento deste tipo de câncer em até 70%.
Um cenário semelhante é observado nos casos de câncer de ovário, em que este mesmo par de genes pode desempenhar um papel deletério. Nesse sentido, variantes patogênicas nos genes BRCA podem elevar o risco da doença em até 40%.
Muitas outras doenças são classificadas como síndromes de predisposição hereditária ao câncer, entre as quais vale destacar:
- Síndrome de Li-Fraumeni (Elevação do risco câncer de mama em mais de 50%);
- Polipose Adenomatosa Familiar (eleva o risco de câncer colorretal em mais de 90%);
- Síndrome de Lynch (eleva o risco de câncer colorretal em 20% a 80%);
- Melanoma múltiplo hereditário (eleva o risco de melanomas em até 65%);
- Encondromatose (eleva o risco de osteoncondromas em mais de 90%).
Como as SPHC podem ser detectadas?
Os procedimentos utilizados para a detecção de variantes patogênicas associadas à predisposição hereditária ao câncer são chamados de sequenciamento genético. Nele, uma amostra é coletada e processada, tornando conhecida a sequência de nucleotídeos do DNA de um indivíduo.
Com esta sequência em mãos, profissionais da saúde utilizam softwares (pipelines) de bioinformática, como o Varstation, que possibilitam o processamento e análise criteriosa do material. Dessa maneira, estes pipelines são capazes de identificar automaticamente variantes sabidamente patogênicas presentes em genes.
Os sequenciamentos genéticos podem ser realizados sob três principais formas:
- Sequenciamento de Genoma Completo;
- Sequenciamento de Exoma Completo;
- Painéis genéticos.
Painel genético de câncer hereditário
Painéis genéticos formam um exame de sequenciamento direcionado. Isso quer dizer que, diferentemente dos exames de genoma e exoma completos, somente uma coleção de genes previamente selecionados se torna conhecida.
Um exemplo de painel oncológico amplamente utilizado é o Painel NGS de risco hereditário ao câncer do Einstein, que sequencia 44 genes relacionados ao câncer hereditário. Além disso, existem também painéis genéticos para câncer de origem somática e painéis específicos para cada tipo de câncer, como de mama e ovário.
Dessa forma, esse é um exame de excelente custo-benefício, uma vez que permite ao médico investigar apenas aquilo que parece ser mais pertinente para cada caso. Sendo assim, este é um procedimento amplamente utilizado no diagnóstico de Síndromes de Predisposição Hereditária ao Câncer.
Em um mesmo painel genético, pode ser comprimido o sequenciamento de dezenas de genes nos quais a presença de variantes patogênicas aumentam a susceptibilidade ao câncer.
A importância do diagnóstico precoce
O diagnóstico precoce é uma das formas mais eficientes de lutar contra o câncer. Embora ter a Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer não signifique necessariamente que a pessoa irá desenvolver câncer, o diagnóstico precoce possibilita selecionar estratégias para impedir a evolução da doença.
Um exemplo disso pode ser encontrado em casos de câncer de ovário. Quando diagnosticado de maneira tardia, pessoas com este tipo de câncer possuem uma taxa de sobrevida em cinco anos de apenas 29%. Em comparação, quando o diagnóstico ocorre de maneira precoce, este número sobe para 92%.
Isto significa que, entre 100 mulheres diagnosticadas precocemente com câncer de ovário, 92 provavelmente estarão vivas após 5 anos. Este é um cenário emblemático, mas que pode ser observado em menores proporções em todas as formas de câncer.
Conclusão
O que chamamos de “câncer hereditário”, portanto, é uma predisposição ao desenvolvimento do câncer, causada por variantes genéticas. Anteriormente chamadas de mutações, estas variantes genéticas patogênicas podem ser herdadas de nossos pais, aumentando nossa susceptibilidade ao desenvolvimento do câncer e gerando a chamada Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer (SPHC).
Estas variantes genéticas podem ser detectadas a partir do sequenciamento genético. Um tipo de sequenciamento, chamado de painel genético, possui excelente custo benefício na detecção de variantes genéticas presentes em genes previamente selecionados. Esta é uma estratégia eficiente para o diagnóstico precoce de SPHC e, consequentemente, do câncer.
Referências
Brown GR, Simon M, Wentling C, Spencer DM, Parker AN, Rogers CA. A review of inherited cancer susceptibility syndromes. JAAPA. 2020
Illard, Huntington et al. Thompson & Thompson genética médica. 8. Ed. Editora Guanabara, 2016.American Cancer Society. Family Cancer Syndromes, 2022. Disponível em:
<https://www.cancer.org/healthy/cancer-causes/genetics/family-cancer-syndromes.html>
Lheureux S, Gourley C, Vergote I, Oza AM. Epithelial ovarian cancer. The Lancet. 2019
Autor: João Bernadelli
Ilustrações: Tatyana Mie
Revisão: Nágela Safady