Transtorno do Espectro Autista (TEA): Causas genéticas e tratamentos

Aprenda sobre a sintomatologia e epidemiologia, desafios no estudo e aspectos genéticos do Transtorno do Espectro Autista (TEA)
TEA
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Transtorno do Espectro Autista (TEA) se refere a uma condição neuronal, ocasionada por uma desordem no neurodesenvolvimento ao longo da gestação.

Com hipersensibilidade, comportamentos repetitivos e outros sintomas, esse quadro possui causas genéticas e ambientais. A pessoa com autismo também costuma ter dificuldades nas interações sociais, além de interesses extremamente restritos.

Mas afinal, quais as causas e tratamentos deste transtorno que registra cerca de 150 mil novos casos por ano? Separamos um artigo completo sobre o tema, acompanhe:

O que é TEA?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma desordem do neurodesenvolvimento caracterizada por dois grupos de sintomas principais: comprometimento da capacidade de interação social e comunicação, e pela presença de comportamentos estereotipados e repetitivos.

Esses sintomas podem variar amplamente entre os pacientes (podendo ser leves, moderados ou graves) e outras manifestações clínicas podem estar presentes, tais como:

  • deficiência intelectual;
  • epilepsia;
  • ansiedade;
  • macrocefalia;
  • hipotonia;
  • dentre outros.

Atualmente, o diagnóstico do TEA é essencialmente clínico, e depende de uma avaliação feita por profissionais da saúde (médicos e psicólogos) habilitados para avaliar a história clínica de cada indivíduo, coletar informações com pais ou responsáveis, e aplicar escalas, questionários e protocolos padronizados de observação do comportamento 

Estudos epidemiológicos recentes realizados nos Estados Unidos apontam que o TEA tem prevalência de aproximadamente 1 a cada 59 indivíduos na população, sendo quatro vezes mais comum em meninos que em meninas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), subordinada à ONU, considera ainda uma estimativa de que em média 1 a cada 160 crianças esteja dentro do espectro do autismo.  

É importante comentar que a prevalência do Transtorno do Espectro Autista vem aumentando substancialmente ao longo dos anos no mundo inteiro, o que, dentre outros motivos ainda não bem definidos, envolve a maior eficiência no diagnóstico precoce e as mudanças nas práticas de identificação do transtorno. 

O Transtorno do Espectro Autista é genético?

Embora fatores ambientais, tais como infecções importantes e exposição a certos agentes tóxicos durante a gestação, possam aumentar o risco de desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista, sabe-se que fatores genéticos têm uma contribuição muito importante na etiologia desse transtorno.

Com base sobretudo nos estudos de recorrência familial e de concordância entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos, as estimativas da herdabilidade do TEA têm variado entre 38 e 90%.

Assim, não há dúvidas de que o DNA pode conter alterações em sua sequência de bases, chamadas aqui de variantes genéticas, que causam ou contribuem para o Transtorno do Espectro Autista!

Causas genéticas do Transtorno do Espectro Autista

Sobretudo por meio do uso de metodologias mais recentes de análise genômica em larga escala, como os arrays CGH (do inglês, “comparative genomic hybridization”) e o sequenciamento de nova geração de exomas ou genomas, é possível identificar variantes genéticas raras e de risco moderado a alto (ou seja, que contribuem para o quadro clínico) em aproximadamente 25% dos pacientes.

Cerca de 15% dos casos apresentam variações do número de cópias (em inglês, “copy number variations” – CNVs) de segmentos genômicos, as quais podem ocorrer em qualquer cromossomo, embora existam algumas regiões com CNVs mais frequentes, como as localizadas em:

  • 15q11-q13;
  • 16p11.2;
  • e 22q13

Estes, combinados, estão presentes em cerca de 3-5% dos casos.

Outras variantes envolvidas

Os outros cerca de 10% dos casos apresentam variantes pontuais não sinônimas e deletérias em diversos genes candidatos aos Transtorno do Espectro Autista.

Ainda, em muitos pacientes não é identificada apenas uma alteração genética rara, mas sim duas ou mais em um modelo de herança chamado oligogênico (oligogênico = de alguns/poucos genes).  

Essas variantes genéticas podem vir de um ou dos dois genitores, ainda que não apresentem TEA ou que apresentam apenas sinais muito discretos do transtorno.

Essas variantes podem também surgir na formação do óvulo ou do espermatozoide e, portanto, estão apenas na criança com TEA, o que chamamos de variantes genéticas novas (de novo).

Atualmente, mais de duas centenas de CNVs e pelo menos 1000 genes candidatos aos TEA já foram identificados, sendo que aproximadamente 200 deles já se sabe que contribuem de forma significativa para o TEA quando portadores de variantes deletérias (Simons Foundation Austism Research Initiave)

É importante ressaltar que nenhum desses genes individualmente consegue explicar mais do que 1% do total de casos de Transtorno do Espectro Autista, e a causa genética ainda é desconhecida em aproximadamente 75% dos casos. 

Por fim, é muito importante ressaltar que uma porção significativa dos casos de Transtorno do Espectro Autista de causa ainda desconhecida parece seguir o modelo de herança multifatorial, no qual o transtorno é resultado de uma combinação de fatores genéticos mais frequentes na população e de risco baixo, associados a fatores ambientais (não presentes na sequência de nucleotídeos do DNA) de predisposição. 

Nessas situações, pouco se sabe sobre quais e quantas variantes genéticas por indivíduo são necessárias para causar o TEA.

Deste modo, o TEA pode ser considerado um transtorno complexo, podendo envolver diferentes mecanismos mutacionais e modelos de herança. Por causa dessa complexidade, o conhecimento sobre as causas genéticas do TEA tem exigido muito esforço, altos custos e tem evoluído mais lentamente. 

Desafios no estudo da genética do TEA 

Uma das limitações das metodologias de análise genômica em larga escala é a interpretação dos achados, uma vez que na maioria das vezes são identificadas variantes genéticas de significado ainda desconhecido e os testes, portanto, não são conclusivos.

Assim, um enorme desafio atual é determinar quais dentre as diversas variantes genéticas identificadas pelas análises genômicas são as que estão de fato envolvidas na etiologia do transtorno, quantas variantes são necessárias para a penetrância completa do Transtorno do Espectro Autista, e como essas variantes convergem em vias biológicas comuns que resultam no transtorno em cada indivíduo acometido. 

Uma estratégia para tentar desvendar o possível significado clínico de variantes genéticas candidatas é conduzir estudos funcionais para verificar quais das variantes são suficientes para causar alterações morfológicas e funcionais em células cerebrais, alterações estas que devem estar associadas com a fisiopatologia do transtorno. 

Mas como analisar células neurais derivadas de pacientes com variantes genéticas candidatas diante da impossibilidade de realização de biopsias do cérebro e da dificuldade de se obter amostras post-mortem de tecidos cerebrais? 

Nosso grupo de pesquisa no Hospital Israelita Albert Einstein tem utilizado como modelo experimental para o entendimento de mecanismos moleculares do TEA células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC, do inglês “induced pluripotent stem cells”).

Estas células são obtidas por meio de reprogramação de células somáticas e são semelhantes às células-tronco embrionárias, podendo ser rediferenciadas em tipos celulares provenientes de qualquer um dos três folhetos embrionários, incluindo células progenitoras neurais, neurônios e células da glia.

Representação esquemática da reprogramação de células somáticas no autismo
FIGURA 1: Representação esquemática da reprogramação de células somáticas

A grande vantagem dessa técnica no estudo do Transtorno do Espectro Autista é que as linhagens obtidas apresentam o genoma do paciente doador e, portanto, constituem um modelo de células in vitro já predispostas ao transtorno.  

Assim, em nossos projetos de pesquisa realizamos diferentes análises funcionais com as células neuronais e as células da glia derivadas das iPSC dos indivíduos com Transtorno do Espectro Autista tais como:

  • análises de expressão gênica e proteica;
  • análises da atividade de vias de sinalização intracelular;
  • análises da proliferação, diferenciação e migração celular.

Com isso, tentamos integrar os achados com as células aos dados obtidos com as análises genômicas. 

Por exemplo, utilizando células progenitoras neurais derivadas de iPSC de um indivíduo com TEA portador de variantes raras nos genes RELN (que codifica Relina, uma proteína que controla migração neuronal e funcionamento das sinapses) e CACNA1H (que codifica um canal de cálcio), nosso grupo recentemente mostrou que as variantes são deletérias e levam à:

  • Diminuição da secreção da Relina para o meio extracelular,
  • diminuição da atividade da via de sinalização intracelular da Relina,
  • aumento do influxo de cálcio,
  • alterações em proliferação e migração celular.

Acreditamos que o conhecimento das causas genéticas do Transtorno do Espectro Autista pode trazer importantes contribuições tanto para o diagnóstico precoce deste transtorno e o aconselhamento genético das famílias, como para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais dirigidas e eficientes para cada paciente. 

Sobre a autora: 

Andréa Laurato Sertié possui graduação e doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Tem experiência na área de Biologia Molecular e Genética Humana e Médica.

Referências:

[1] An African HIV-1 sequence from 1959 and implications for the origin of the epidemic. Nature. 1998 Feb 5;391(6667):594-7

[2] Isolation of human T-cell leukemia virus in acquired immune deficiency syndrome (AIDS). Science. 1983 May 20;220(4599):865-7.

[3] Isolation of a T-lymphotropic retrovirus from a patient at risk for acquired immune deficiency syndrome (AIDS). Science. 1983 May 20;220(4599):868-71.

[4] Zanluca, Camila et al. “First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil.” Memórias do Instituto Oswaldo Cruz vol. 110,4 (2015): 569-72. doi:10.1590/0074-02760150192.

[5] Pesquisa de Vírus de RNA e Genotipagem – PLASMA (EDTA- GEL). Disponível em: <https://www.einstein.br/exames/info/#!6811>.

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