Teste de DNA: o que são marcadores moleculares?

O desenvolvimento das STRs tem revolucionado as análises forenses e é o tipo de marcador de DNA padrão, em casos de exame de paternidade e teste de DNA.
teste de DNA - ilustração

No final dos anos 90 e início dos anos 2000, estava na moda falar sobre exames de paternidade. Falava-se sobre “fulano” que teria que pagar pensão alimentícia porque “o teste de DNA deu positivo”. Os famosos exames de DNA dos programas de televisão, entre comentários e risadas, eram diversão em rodas de amigos. As séries criminais faziam sucesso e a genética forense despertava a curiosidade de muita gente, entre os quais muitos jovens queriam ser detetives. Foi nessa época no Brasil que as pessoas comuns começaram a ouvir falar e a entender sobre a utilidade da genética, que antes era um assunto quase exclusivo das aulas de Biologia, de instituições de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa.

Como consequência dos avanços nas áreas da genética e da biologia celular, nas últimas décadas, houve um expressivo aumento no número de novas metodologias de genética molecular. Principalmente, com o advento da tecnologia do DNA recombinante, da reação em cadeia da polimerase – PCR (Polymerase Chain Reaction) e do sequenciamento automático do DNA. Técnicas genéticas passaram a fazer parte do rol de ferramentas do ramo da biotecnologia. 

A partir de então, foram desenvolvidas poderosas técnicas para a prospecção de sequências no DNA dos seres vivos que pudessem servir de marcadores, distinguindo indivíduos e até populações. Estes são os marcadores genético-moleculares, logicamente por envolver moléculas de ácidos nucleicos, e podem ser utilizados nos mais diversos contextos: 

  • Indústrias civil (biomateriais), alimentícia e fármacos; 
  • Cenas criminais (a identidade de Jack, o estripador, foi descoberta com ajuda de marcadores genéticos, passado 131 anos de seus crimes);
  • Melhoramento genético de organismos (área milenar); 
  • Estudos evolutivos;
  • Identificação de novas espécies.

Quais características um fenótipo precisa ter para ser um marcador molecular

A genética estuda dois fenômenos distintos que se completam no contexto da adaptabilidade, são eles: hereditariedade e variação (ou variabilidade). A hereditariedade relaciona-se com o que os seres tem em comum, ao passo que, a variação é exatamente o oposto. Se por um lado a variação possibilita que existam diferenças em que a seleção natural atua, por outro lado, o resultado do que foi selecionado será mantido, apenas se a variação a qual a seleção atuou for herdável, isto é, passar para as próximas gerações. Podemos pensar aqui nas novas variantes de COVID-19, aconteceu uma mutação que gerou variabilidade e esse indivíduo mutante se reproduziu passando seus genes adiante, perpetuando através de seus descendentes tal mutação.

Para ser um marcador genético-molecular a característica fenotípica, ou simplesmente fenótipo, deve apresentar variações, logicamente, deve ser herdável e precisa atender as leis de Mendel, podendo mostrar ação dominante ou co-dominante. As variações genéticas podem ser usadas como marcadores se possibilitarem distinguir dois ou mais indivíduos em qualquer fase de sua vida.

Assim, pode-se definir marcadores moleculares como quaisquer fenótipos moleculares que passem para as gerações posteriores, herdáveis, oriundos de um gene expresso ou de um segmento de DNA polimórfico que possa ser usado para diferenciar dois ou mais indivíduos em qualquer estágio de suas vidas. Aqui estão incluídos RNA – sempre fruto de um pedaço de DNA – e proteínas – fruto de um RNA.

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Polimorfismos genéticos em humanos e os marcadores moleculares

As modificações nas bases que compõem as mesmas sequências, de um mesmo sítio do DNA em cromossomos homólogos de seres vivos distintos de mesma espécie, pode evidenciar um polimorfismo se a frequência dessas variações for maior que 1% na população, caso contrário esta é designada mutação. A análise do DNA permite acessar no genoma humano variações entre os indivíduos e entre as espécies em suas sequências de DNA. Tais análises podem ser conduzidas em 2 níveis:

  • O primeiro nível num patamar mais refinado, envolvendo técnicas de sequenciamento de DNA que permitem que as variações sejam notadas a cada par de bases.
  • O segundo nível através do estudo da variação nos sítios identificados por enzimas de restrição – este fornece uma visão geral das variações nos pares de bases. 

O genoma humano carrega diversos tipos de polimorfismos os quais podem ser úteis na identificação de indivíduos e estabelecimento de vínculo genético. Os polimorfismos de regiões hipervariáveis do DNA podem ser de 2 tipos:

  • Polimorfismos de sequência, os quais são compostos por nucleotídeos distintos num determinada sítio do genoma, como Indels (inserção ou deleção de bases) e SNPs (Single Nucleotide Polymorphism – polimorfismos de base única).
  • Polimorfismos de comprimento, são sequências de nucleotídeos que se repetem (Figura 1), dentre eles os VNTRs e os STRs (Short Tandem Repeats – repetições curtas em tandem) ou microssatélites.

Portanto, além de fornecer um sistema de identificação genética de indivíduos (DNA fingerprinting ou “impressões digitais do DNA”), o estudo das variações genéticas, como por exemplo, por meio de polimorfismos achados nas sequências de DNA, possibilitou um entendimento mais claro da história e diversidade das populações humanas.

Tratamento de câncer de mama

Teste de DNA: STRs ou Microssatélites

O desenvolvimento das STRs tem revolucionado as análises forenses e é o tipo de marcador de DNA padrão, em casos de exame de paternidade e teste de DNA. Os microssatélites são unidades de repetição in tandem de tetranucleotídeos, geralmente de 2 a 6 pares de base (pb) que se repetem de 3 a 100 vezes em uma região do DNA. A variabilidade é determinada pelo número de sequências repetidas observadas e, por não codificarem proteínas, são considerados seletivamente neutros. 

Os microssatélites podem ser amplificados através da técnica do PCR multiplex, utilizando oligonucleotídeos marcados com diferentes fluoróforos. Após o PCR, amostras com quantidades diminutas de DNA, ou apresentando alto grau de degradação, podem ser tipadas. Com a introdução de sistemas de amplificação simultânea (multiplex) que permitem a obtenção de informações de vários loci numa única reação (otimizando o tempo de estudo, a quantidade de DNA e reagentes), os estudos de STRs foram bastante simplificados. Atualmente, a análise dos produtos amplificados é feita em sequenciadores automáticos, permitindo o armazenamento dos resultados obtidos, devido a uso de um software apropriado

Um polimorfismo de única base nitrogenada – SNP ocorre a cada 200 bases, em média.

Um dos frutos do Projeto Genoma Humano foi a descoberta de milhares de sequências variáveis no genoma. A maioria dessas sequências variáveis são SNPs que são pontos específicos do genoma nos quais o nucleotídeo pode ser diferente de um indivíduo para outro. Um SNP pode ocorrer em uma região codante ou não-codante ou ainda em regiões intergênicas. É assumido que 85% das variações nas sequências humanas são um polimorfismo de base única – SNP.

SNPs relacionados à análise forense podem ser divididos em quatro grupos:

  • SNPs de Identidade:

Neste grupo estão os SNPs para individualização. Eles fornecem informação biológica para diferenciar e excluir pessoas, como relacionar um indivíduo a uma amostra ou evidenciar um membro ilegítimo de uma família.

  • SNPs informativos de Linhagem:

Estes SNPs estão presentes no genoma mitocondrial (mtDNA) e no cromossomo Y. Seu uso dentro da análise forense é para casos de pessoas desaparecidas e identificação em desastres em massa.

  • SNPs de Ancestralidade:

Estes são os AIMs (Ancestry Informative Markers). São SNPs que estão distribuídos no genoma humano e aparecem em diferentes frequências nas populações ao redor do mundo. Este é um método indireto de inferir sobre características fenotípicas de uma pessoa.

  • SNPs informativos de Fenótipo:

São marcadores que descrevem a aparência física de um indivíduo. A maioria dos trabalhos está relacionado a pigmentação da pele, do cabelo e do olho.

Indels representam 5% dos polimorfismos conhecidos

São marcadores de grande interesse já que conseguem alterar traços físicos e também causam doenças. Trata-se de polimorfismos de comprimento criados pela inserção ou deleção de um ou mais nucleotídeos no genoma. Devido à presença ou ausência de uma pequena sequência de um locus, esses marcadores são classificados como variação de comprimento da sequência.

Vários experimentos foram conduzidos sobre Indels. Alguns trabalhos encontraram tamanhos que variam de 2 a 16pb de comprimento, enquanto outros trabalhos encontraram 55pb, 10.000pb chegando a 1.000.000pb. Grande parte destes não foram validados, o que dificulta sabermos seu tamanho real. Existem situações onde as Indels ocorrem em regiões codificantes sendo a maioria múltipla de três, o que faz com que a fase de leitura (open reading frame) das proteínas seja mantida. Quando as Indels não são múltiplas de três há um deslocamento do quadro de leitura – não coincidindo com o tamanho de um códon, que é de 3pb – e consequentemente ocorrerá uma alteração do aminoácido da região. Indels também podem ser encontradas em regiões promotoras do gene.

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