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Fenótipos com penetrância completa são aqueles que manifestam-se em todos os indivíduos portadores de uma determinada variante genética/mutação, como é o caso da Doença de Huntington. Estima-se que cerca de 10-13 a cada 100.000 indivíduos herdem as condições necessárias para o desenvolvimento da Doença de Huntington, o que faz dela uma doença rara.
Quer saber mais sobre o que é, como se manifesta e como é diagnosticada a Doença de Huntington? Acompanhe o texto! Nele ainda trazemos detalhes sobre os avanços na pesquisa, sintomas e a história da descoberta da doença.
O que é a Doença de Huntington?
A Doença de Huntington (DH) é uma condição neurogenética hereditária, neurodegenerativa e rara do Sistema Nervoso Central que causa a destruição de células nervosas e impede que certas funções cerebrais sejam executadas corretamente.
Uma das características dessa doença é sua progressão gradual, que leva o indivíduo à acamação e à deterioração cognitiva. Em função de sua severidade, a Doença de Huntington possui um tempo de sobrevida médio de 20 anos após o início dos sintomas.
George Huntington e a DH
A história da descoberta dessa doença, nos remete ao ano de 1872, quando George Huntington, um médico americano de Nova York de apenas 22 anos, contribuiu com a descrição clínica da doença que leva seu nome, em um artigo intitulado “On Chorea”.
Em seu trabalho, Huntington descreveu o que considerava apenas uma curiosidade médica na época. Ele observou que certas famílias eram afetadas por uma condição hereditária marcada por coréia (movimentos involuntários) e sintomas psiquiátricos sem cura.
Tal “curiosidade médica” tornou-se foco de intenso interesse médico e científico, em parte devido à contribuição das famílias na geração de conhecimento sobre essa doença familiar.
Huntington desempenhou um importante papel na identificação desse distúrbio, que inicialmente foi chamada de “Coreia de Huntington” e, no final da década de 1960, de “Doença de Huntington”.
Mesmo após mais de um século após sua descoberta, a DH encontra-se ainda hoje sem uma cura, embora os tratamentos sintomáticos demonstrem ser eficazes no controle de alguns dos sintomas da doença.
Genética da Doença de Huntington
A descoberta da origem monogênica da doença de Huntington, teve consequências de longo alcance também para outras doenças neurodegenerativas hereditárias. Nesse sentido, a descoberta de Gusella e colaboradores em 1983 de um marcador genético no braço curto do cromossomo 4 foi um divisor de águas na investigação da DH.
Expansão do gene HTT
A DH possui um padrão de herança genética autossômica dominante, e é resultado da expansão das repetições de trinucleotídeos CAG (citosina-adenina-guanina) no gene HTT, que codifica a proteína huntingtina.
Em geral, indivíduos não afetados possuem apenas cerca de 20 repetições deste tipo no gene HTT. Pessoas com mais de 39 repetições, entretanto, possuem um risco absoluto de desenvolver a DH, embora seja possível observar penetrância já entre aqueles que possuem 35 ou mais repetições.
É importante notar que embora pessoas com um número intermediário de repetições (20-34) não desenvolvem a doença, seus filhos podem desenvolvê-la caso ocorra a expansão das repetições.
Mesmo após a descoberta do gene HTT, mais de uma década se passou até que as mutações pudessem ser diretamente relacionadas à causa da DH.
Este foi o primeiro relato de uma mutação genética humana sendo localizada utilizando polimorfismos de comprimento de fragmento de restrição via análise de ligação. Tal descoberta marcou o início da era da “caça aos genes “.
Além disso, a mutação HTT também foi uma das primeiras expansões de repetições de trinucleotídeos causadoras de doenças a serem identificadas pela ciência.
O telencéfalo na Doença de Huntington
O excesso de repetições CAG em pacientes com Huntington torna a proteína huntingtina extraordinariamente longa e instável. Com isso, a proteína alterada constrói aglomerados nas células cerebrais ao longo do tempo, causando dano e morte neuronal.
Uma das áreas do cérebro mais comumente afetadas pela Doença de Huntington é o corpo estriado dorsal (Putâmen + Núcleo Caudado), responsável pelo controle parcial do movimento voluntário e de funções cognitivas como a memória de trabalho.

Sintomas e Diagnóstico
Uma variedade de sintomas podem ser causados pela Doença de Huntington, que incluem transtornos mentais e problemas comportamentais, cognitivos e das funções motoras.
Os sintomas geralmente se manifestam entre os 30 e 50 anos, ainda que casos que extrapolam essa faixa etária também existam, como no caso da DH juvenil.
Os sintomas da Doença de Huntington variam de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem:
- Mudanças de personalidade, alterações de humor e depressão;
- Esquecimento e julgamento prejudicado;
- Marcha instável e movimentos involuntários (coréia);
- Fala arrastada, dificuldade em engolir e perda significativa de peso.
Na DH, os sintomas são muitas vezes semelhantes àqueles apresentados por pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Doença de Parkinson e Doença de Alzheimer. Uma vez iniciados, os sintomas acentuam-se gradualmente.
Caso um indivíduo tenha histórico de doença de Huntington na família, é possível fazer o teste para ver a probabilidade de desenvolvimento do distúrbio. Este é um teste baseado em TP-PCR (Triplet-Primed PCR), capaz de realizar a contagem de repetições CAG no gene HTT.
Os sintomas clínicos, incluindo sinais motores evidentes, em conjunto com um histórico familiar positivo que sugira um padrão de herança autossômica dominante, são usados para fazer o diagnóstico.
Laboratorialmente, além das metodologias moleculares, também podem ser utilizados exames de imagem (como a Tomografia Computadorizada e a Ressonância Magnética Nuclear) para se verificar a degeneração dos gânglios basais, um aspecto importante para o prognóstico da doença.


Tratamento e Gestão da Doença de Huntington
Não há cura ou tratamento para reverter a progressão da doença de Huntington. Entretanto, o tratamento e o cuidado de suporte podem ajudar a controlar problemas causados pela doença.
Além da terapia medicamentosa e o acompanhamento neurológico, o paciente com Huntington pode ser acompanhado por diversos profissionais para ajudar a controlar os sintomas:
- Psicólogo e psicoterapia;
- Fisioterapeutas para auxiliar a mover-se com segurança e ajustar o ambiente doméstico;
- Fonoaudiólogos e nutricionistas para ajudar na comunicação, alimentação e deglutição com segurança.
O apoio social e comunitário também é importante. Entes queridos muitas vezes assumem a tarefa de cuidar da pessoa com DH e ajudá-las nas atividades diárias com uma rotina de cuidados.
Pesquisa e Avanços na Doença de Huntington
Atualmente, o foco da investigação na terapêutica da DH está voltado para estudos a nível de RNA e DNA. Acredita-se que a DH seja causada pelas propriedades tóxicas do gene HTT mutado, e a redução da expressão desse gene pode inibir a patogênese em modelos celulares e animais da doença.
Porém, o desligamento completo desse gene é letal. Já o knockdown parcial do HTT em animais adultos é bem tolerado em várias espécies, incluindo primatas não humanos.
Uma outra abordagem, é o estudo do RNAi (interferência mediada por RNA). O RNAi é um processo celular endógeno que degrada mRNAs maduros. O problema fundamental no desenvolvimento de tratamentos com RNAi para a DH é colocar siRNAs (RNA pequeno de interferência) e/ou miRNAs (microRNAs) sintéticos em células propensas a doenças, como as do corpo estriado.
Em modelos animais de DH, a redução da expressão de HTT com siRNAs melhorou o fenótipo e a neuropatologia, mas a administração de terapias de RNAi em células cerebrais permanece um desafio.
O knockdown fora do alvo, a imunogenicidade da via de degradação do RNAi e a existência de anticorpos neutralizantes de vírus, são obstáculos significativos na concepção de terapias indutoras de RNAi.
Apesar disso, um estudo de fase II usando o RNA do fator de crescimento do nervo encapsulado por vírus injetado intracerebralmente em pacientes com doença de Alzheimer demonstrou que a terapia genética administrada por vírus pode ser segura e bem tolerada.
A depender dos resultados e de novos estudos, direcionados para a DH, este pode se tornar um tratamento eficaz no futuro.
Conclusão
A doença de Huntington é uma doença hereditária que não possui cura. A instabilidade causada pelo gene HTT constrói aglomerados nas células cerebrais que se danificam e morrem com o passar do tempo.
O corpo estriado, que controla parcialmente as funções motoras e cognitivas, é a área mais atingida. A doença causa uma variedade de problemas de saúde mental, comportamento, movimento e comunicação, e a expectativa de vida média é de cerca de 20 anos após o aparecimento dos sintomas iniciais.
Um exame de sangue pode dizer a um paciente se ele é portador da doença ou não, porém muitas pessoas optam por não fazer o teste pela impossibilidade de cura ou reversão da doença. O tratamento e suporte médico e familiar podem ajudar a reduzir alguns problemas causados pela Doença de Huntington.
Atualmente, existem diversos estudos para entender a doença e traçar novas linhas de diagnóstico e tratamento para a doença de Huntington, principalmente as terapias gênicas, com destaque para aquelas baseadas em RNAi.
Progressos substanciais foram feitos em nossa compreensão da patogênese da DH, enquanto o desenvolvimento da tecnologia genética e a disponibilidade de grandes coortes de indivíduos com DH levaram à identificação de novos modificadores genéticos da doença.
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