Gene e o código da vida

Gene é a partícula invisível, responsável pela hereditariedade. Aprenda sobre como foi descoberto e como é a sua estrutura

Gene: uma breve história

Os progressos da humanidade acontecem pouco a pouco, na maioria das vezes pelo esforço de vários estudos. Não foi diferente com a descoberta de que havia uma partícula invisível, responsável pela hereditariedade e que mais tarde viria a se chamar: Gene! 

Observações acerca das características de uma pessoa ou qualquer outra espécie, naturalmente levavam a questões que, até 1900 não tiveram uma resposta plausível. 

As seguintes teorias tentavam explicar a hereditariedade:

  • Telegonia: Características de um macho, poderia aparecer na progênie da fêmea com outros machos. Geralmente o primeiro macho que acasalasse com a fêmea, exerceria maiores influências na prole; 
  • Pangênese : A ideia era que cada parte do corpo dos pais emitia minúsculas partículas chamadas gêmulas, formando o embrião;
  • Homúnculo: Um ser humano em miniatura, vivia dentro do espermatozóide e era passado adiante.

Somente em 1863, os experimentos que viriam a desmistificar essas idéias foram concluídos, e após 2 anos de análises dos resultados o estudo foi publicado. Somente após 1900, tais estudos ganharam a devida credibilidade e seu autor seria então definido como: o Pai da Genética Clássica.

Mendel e a Genética Clássica

Um grande mistério da época era encontrar as respostas para duas perguntas simples: 

  1. O que torna uma espécie o que ela é? Qual seria o porquê de um macaco sempre ter macaquinhos? 
  2. O que causa a variação dentro de uma espécie? Podemos distinguir uma pessoa da outra, graças a essas variações e mesmo entre familiares, embora tenham características comuns, traços podem ser diferentes. Exceto pelos gêmeos idênticos.

Um monge chamado Gregor Johann Mendel (1822-1844), conseguiu responder, categoricamente à essas perguntas, que na época, não foram compreendidas pela comunidade científica, e as idéias de Mendel caíram no esquecimento.

Quase 60 anos após a morte de Gregor Mendel, seus trabalhos foram redescobertos por três botânicos, enquanto revisavam a literatura em busca de informações que apoiassem suas próprias pesquisas sobre hereditariedade:

  • Hugo de Vries, na Holanda;
  • Carls Correns, na Alemanha; 
  • Erich Von Tschermak-Seysenegg, na Áustria.

Após a redescoberta por esses autores, a pesquisa de Mendel ganhou ainda mais força pelos esforços de um biólogo britânico, William Bateson, que cunhou um novo termo: genética, da palavra grega que significa “gerar”. Mendel também passou a ser conhecido como o Pai da Genética Clássica.

Experimentos de Mendel: das partículas hereditárias aos Genes

Mendel, que era filho de fazendeiro na Moravia, tinha habilidades em cuidar de plantas e animais. Aos 21 anos, foi morar num monastério, onde foi ordenado padre e entre 1851 e 1853 foi estudar na Universidade de Viena. Quando regressou ao monastério, como monge professor, iniciou então seus experimentos genéticos. Dentre os vários experimentos com plantas, os trabalhos com ervilhas de jardim (Pisum sativum) foram os que mais se destacaram e essa escolha astuta, foi o que definiu o sucesso de Mendel. Os resultados de todos os cruzamentos nos quais os genitores diferem em apenas uma característica (fenótipo) são mostrados quadro 1.

Quadro 1: Resultados dos cruzamentos entre ervilhas diferindo em apenas uma característica.

Linhagem ParentalF1F2Proporção de F2
Semente lisa x rugosa100% lisas5.474 lisas;1.850 rugosas2,96:1
Semente amarela x verde100% amarelas6.022 amarelas; 2.001 verdes3,01:1
Pétala púrpura x branca100% púrpuras705 púrpuras; 224 brancas3,15:1
Vagem inflada x restrita100% infladas882 infladas; 299 restrita2,95:1
Vagem verde x amarela100% verdes428 verdes; 152 amarelas2,82:1
Flor axial x terminal100% axiais651 axiais; 207 terminais3,14:1
Caule longo x curto100% longos787 longos; 277 curtos2,84:1

Mendel então, certificou-se que a linhagem parental seria pura e para isso, ele fez sucessivas autofecundações na planta, até obter plantas puras, para as 7 características que seria testadas. Em seguida, fez o cruzamento entre plantas com texturas diferentes (lisaXrugosa), por exemplo, observando o fenótipo 100% lisa em F1. Para obter a geração F2 Mendel cruzou 2 plantas F1, exemplo, 2 plantas de sementes lisas. Observou então, uma proporção de 3 sementes lisas e 1 rugosa. Mendel fez o mesmo com todas as plantas de F1 para todos os outros fenótipos e obteve a mesma proporção em F2 (sempre 3:1). Para explicar o fenômeno, onde algumas características não apareciam em F1, mas reapareciam em F2, Mendel criou os termos: Dominante e Recessivo. Assim sendo, Mendel definiu todos os fenótipos de F1 como dominantes e suas contrapartes, recessivos. Após sucessivos outros testes, Mendel foi clássico e criativo ao explicar:

  1. A existência dos genes: A “partícula hereditária” responsável pelos padrões de herança;
  2. Os genes estão aos pares: Hoje chamamos as formas diferentes do mesmo gene de alelos. Mendel deduziu que um alelo era responsável pelo fenótipo dominante enquanto que o outro alelo, pelo fenótipo recessivo;
  3. Metade dos pares de genes nos gametas: O gameta, leva apena 1 alelo do gene, para ser expresso na geração seguinte. Aqui, ele precisou propôr que, durante a formação dos gametas, os genes devem se separar, indo 1 alelo para cada gameta;
  4. Segregação igual: Membros dos pares de genes, se segregam, na formação dos gametas, ou seja, 50% dos gametas levarão 1 dos membros dos pares de genes e os outros 50% levarão a outra metade. Segregação igual é a primeira lei de Mendel;

É importante ressaltar, que aqui, não se sabia conceitos de mitose ou meiose. Mendel deduziu de forma clara, o que viria a ser mostrado muito tempo depois!

Para apoiar esses 4 tópicos acima, Mendel propôs uma representação bem didática para explicar suas conclusões.

gene
Representação que Mendel usou para explicar as proporções obtidas em seus ensaios.

Nota: Os experimentos citado acima, mostraram os resultados do cruzamento monoíbrido. Em outros experimentos, Mendel analisou resultados de cruzamento diíbrido, o que não é mostrado aqui. O objetivo dos experimentos mostrados acima, foi mostrar como se chegou ao termo: Gene.

Gene: de Mendel aos dias atuais

Após os clássicos trabalhos de Mendel, que quebrou toda uma idéia existente naquela época, uma nova disciplina havia sido criada, a genética. Muitos estudos ainda viriam para mostrar a “partícula invisível”. Hoje, conhecemos bem a estrutura de um gene, sabemos que é nele que está contido todo o código da vida e toda forma de vida existente, contém esse código que possibilita sua existência. 

Falando do Homo sapiens, organismos diplóde, sabemos que temos 2 cópias de cada gene, ou seja, 2 alelos compõem um gene.  Como no caso mostrado acima, as ervilhas também são organismos diplóide, com 2 alelos formando 1 único gene. Esses alelos podem ser dominante ou recessivo, quando. No caso das ervilhas, 2 alelos dominantes (ex. Sementes amarelas) ou 2 recessivos (ex. Sementes verdes), pode-se dizer que são alelos homozigotos, como no caso de linhagens puras.  Quando temos 1 alelo dominante e um recessivo, dizemos então ser um caso de heterozigose (ex. Aa-Sementes amarelas).

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Gene e sua estrutura

O gene, representa porções do DNA e dentro dos genes, estão sequências definidas como íntrons e éxons. No momento que o gene vai ser transcrito em RNA mensageiro (mRNA) para dar origem a proteína, as enzimas de transcrição, transcrevem toda a extensão do gene, ou seja, tanto os íntrons como os éxons. Os íntrons, apesar de serem transcritos, não codificam para proteína, eles são excisados da molécula de mRNA antes de essa ser traduzida em proteína. Apenas os éxons permanecem, pois eles contêm o real código para a formação da cadeia polipeptídica da proteína. 

Cada gene, começa uma sequência “iniciadora”, finalizando também com a sequência “finalizadora”. A sequência do gene serve de molde para a síntese de uma cópia complementar, o RNA mensageiro (RNAm). Cada 3 nucleotídeos do RNAm constitui um códon que irá se parear com outros 3 nucleotídeos de uma molécula chamada RNA transportador (tRNA), que contém os anticódons. Esses anticódons carregam 1 aminoácido para formar a cadeia polipeptídica da proteína. O quadro 2, mostra a sequência do código da vida onde é possível visualizar que cada trinca de nucleotídeo codifica para 1 aminoácido. Dessa forma, a partir da sequência gênica, podemos deduzir qual será a sequência de proteínas.

gene
Cada trinca de nucleotídeo ou códon refere-se a sequência nucleotídica no mRNA, que por sua vez, é transcrito a partir do gene.

Genes e o genoma

Os genes compõem o genoma e em se tratando dos seres humanos, o projeto genoma humano estipulou que temos aproximadamente 3 bilhões de pares de base em nosso DNA, mas apenas 20 mil genes (Craig Venter et al., 2001). Temos muitos íntrons, que são sequências não codificadora de proteína e possivelmente, ajudam a regular o gene. Devido ao processo de excisão dos íntrons, um mesmo gene, pode codificar diferentes proteínas. Com pouquíssimas exceções, o código genético é quase universal, tendo o mesmo significado em todos os organismos, dos vírus aos humanos. Quando as sequências dos genes são alteradas, as consequências podem ser boas ou ruins. Quer saber porquê? 

Aprenda mais sobre o assunto no texto: Mutação, a matéria prima da evolução.

Referências

Craig Venter, J., Adams, M. D., Myers, E. W., Li, P. W., Mural, R. J., Sutton, G. G., Smith, H. O., Yandell, M., Evans, C. A., Holt, R. A., Gocayne, J. D., Amanatides, P., Ballew, R. M., Huson, D. H., Wortman, J. R., Zhang, Q., Kodira, C. D., Zheng, X. H., Chen, L., … Zhu, X. (2001). The sequence of the human genome. Science. https://doi.org/10.1126/science.1058040

Griffiths, A. J. F., Wessler, S. R., Lewontin, R. C., & Carroll, S. B. (2006). Introdução a Genética. In Guanabara Koogan.

Liu, Y. S. (2011). Telegony, the Sire Effect and non-Mendelian Inheritance Mediated by Spermatozoa: A Historical Overview and Modern Mechanistic Speculations. In Reproduction in Domestic Animals. https://doi.org/10.1111/j.1439-0531.2010.01672.x

Ridley, M. (2004). Evolution 3rd Edition. In Blackwell Publishing.

Simmons, S. &. (2013). Fundamentos da genética. Journal of Chemical Information and Modeling.

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