Instabilidade genômica e sua relação com o câncer

Aprenda como ocorre a instabilidade genômica e as pequenas modificações em nosso DNA que podem levar ao surgimento de tumores.

Herdamos o DNA dos nossos pais e o carregamos conosco desde que nascemos. Ele define muito do que somos, mas assim como nossas personalidades e gostos variam ao longo da vida, nosso DNA também muda.

Pequenas modificações surgem naturalmente, sejam por fatores externos, como exposição à luz solar, sejam por fatores internos, como erros no processo de replicação.

Algumas mutações podem levar ao surgimento de tumores, e alguns tipos de câncer podem apresentar alta instabilidade genômica. Mas o que de fato isso significa e qual sua importância?

Instabilidade genômica e variantes genéticas

O DNA em nossas células pode sofrer mutações. Quando isso ocorre nas células reprodutivas elas podem ser repassadas para nossos descendentes. São as chamadas variantes germinativas.

No entanto, quando essas modificações surgem em quaisquer outras células do nosso corpo e não podem ser transmitidas, são chamadas variantes somáticas. 

Variantes podem ocorrer naturalmente ou serem induzidas por fatores externos e ocorrem diariamente. Mas não precisa se assustar, nosso corpo possui mecanismos próprios bem eficientes para reparar a grande maioria dessas falhas.

Exemplos de mutações naturais são erros durante a replicação do DNA, processo essencial durante a divisão celular. Já as induzidas, podem ocorrer com o consumo de cigarro, exposição aos raios ultravioleta do sol sem proteção adequada ou agentes químicos, como pesticidas.

De uma forma ou de outra, elas irão aleatoriamente alterar a sequência original do nosso DNA, e dependendo da posição em que ocorrem, podem ser completamente inofensivas ou trazer alguma consequência.

Quando interferem no funcionamento adequado de genes que estão envolvidos no controle do crescimento celular podem contribuir para o surgimento do câncer.

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Tipos de variantes

Os tipos de mutações são bem variados e ocorrem em diferentes escalas no genoma. Elas podem ser pontuais, alterando uma única base em uma determinada posição (SNP – Single Nucleotide Polymorphism), afetando poucas bases, como pequenas deleções ou inserções, ou podem ser bem grandes, levando a perda de grande parte dos cromossomos ou mesmo cromossomos inteiros.

Um tipo de alteração em grande escala e muito comum no genoma de células tumorais são conhecidas como Perda de Heterozigose (LoH – Loss of Heterozigosity).

O termo heterozigose representa a presença de um cromossomo paterno e outro materno, portanto, esse nome se dá pelo fato de que uma das cópias foi perdida em uma determinada região.

Esse desbalanço por si só já pode ser problemático, pois muitas vezes um gene precisa de suas duas cópias para exercer sua função normalmente, mas além disso, torna a única cópia restante ainda mais essencial e vulnerável a mutações adicionais.

Eventos de LoH são comuns em tumores, justamente por eles terem o controle do crescimento celular alterado e acelerado.

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Instabilidade genômica e a recombinação homóloga

Um dos mecanismos mais importantes e precisos que nossas células possuem para recuperar o DNA de danos tem um nome um pouco diferente: é a recombinação homóloga. Basicamente, a cópia da molécula de DNA intacta é utilizada como modelo para refazer a outra cópia danificada. 

Esse é um processo complexo que requer a participação de um conjunto de proteínas trabalhando em harmonia. Algumas delas são produzidas por alguns genes já bem conhecidos, como o BRCA1 (Breast cancer 1) e o BRCA2 (Breast cancer 2). 

É de se esperar, portanto, que a perda da função desses genes leve à deficiência na recombinação homóloga (HRD – Homologous Reconbination Deficiency) e ao acúmulo de perda de heterozigose. A presença da HRD é bastante comum em câncer de mama, de ovário, pâncreas e próstata.

Instabilidade genômica e assinaturas mutacionais no câncer

Os eventos que levam ao surgimento de variantes genéticas somáticas, por terem naturezas e mecanismos distintos, acabam deixando cicatrizes específicas no genoma. Esses padrões podem ser reconhecidos e são chamados de assinaturas mutacionais.

Por exemplo, todos nós temos em algum grau uma assinatura comum, relacionada com o envelhecimento. Ela é representada pela quantidade de variantes somáticas que ocorrem de um processo de desaminação espontânea de uma base citosina (a letra C do alfabeto do DNA – A, C, T, G) metilada.

Em outras palavras, ao longo da vida algumas citosinas acabam sendo substituídas por timinas (T) em algumas regiões do genoma naturalmente e não tem muito o que possamos fazer a respeito.

Já outras assinaturas são mais comuns em decorrência de processos que ocorrem somente em alguns tipos de câncer, e por isso podem funcionar como biomarcadores, podendo nos dizer muito sobre a biologia das células estudadas.

O banco de dados COSMIC e assinatura mutacional 3

Os primeiros sequenciamentos de genomas tumorais começaram a ser produzidos por volta de 2006. De lá pra cá, milhares de outros tumores já foram sequenciados, estudados e catalogados em bancos de dados, como o TCGA (The Cancer Genoma Atlas) e o PCAWG (Pan-cancer Analysis of Whole Genomes) do ICGC (International Cancer Genome Consortium). 

A análise de todos esses dados viabilizou o desenvolvimento de um banco contendo apenas informações dessas assinaturas, o COSMIC Mutational Signatures. Nele podemos encontrar diversos perfis de variantes como SNPs e indels cuja causa já é conhecida.

Vamos destacar aqui uma delas, a assinatura mutacional de base única número 3 (SBS3), já que seu surgimento está associado justamente à deficiência no processo de recombinação homóloga. Tumores que apresentam uma grande proporção da SBS3 tendem a ter, portanto, alta instabilidade genômica.

Instabilidade genômica
Perfil de assinaturas mutacionais em diferentes tipos de tumores. Fonte: Alexandrov LB. et al., 2020.

Tratamentos

Mas por que avaliar esses marcadores e predizer o nível de instabilidade genômica de um tumor é importante? Bom, pois essa informação pode ser muito valiosa no momento de decidir a qual tratamento quimioterápico um paciente será submetido.

Células tumorais com HRD não são boas em reparar danos no seu genoma e eventualmente morrem quando eles se acumulam, dessa forma, drogas que induzem um dano ao DNA ou inibem seu reparo serão mais indicadas.

Esse é o princípio por traz dos tratamentos com derivados de platina ou inibidores PARP (PARPi). Compostos como cisplatina e carboplatina se ligam ao DNA e induzem um dano. Já a enzima poli (ADP-ribose) polimerase-1, codificada pelo gene PARP-1 é importante no processo de reparação de danos no DNA.

Ao utilizarmos inibidores de sua atividade, células tumorais com HRD são incapazes de corrigir os erros enquanto as células sadias usam a recombinação homóloga e são menos afetadas.

A eficácia de alguns tratamentos desse tipo já é comprovada e regulamentada pelo principal órgão de fiscalização americana, o FDA (Food and Drug Administration), como o uso do olaparib para câncer de ovário.

Considerações finais

Diversos biomarcadores para tumores estão sendo descobertos e estudados atualmente. Eles oferecem vantagens na detecção precoce, diagnóstico e orientações na conduta clínica. Diferentes testes para avaliar a presença da instabilidade genômica já estão disponíveis no mercado nacional e internacional, através do sequenciamento genômica e análises de bioinformática

De forma geral, eles analisam a ocorrência de variantes deletérias nos genes da via de recombinação homóloga, como os genes BRCA, assinaturas mutacionais, como SBS3 e perda de heterozigose. 

Prever se um paciente irá responder bem a um medicamento é essencial para melhorar o tratamento, aumentar as chances de cura e evitar possíveis efeitos colaterais desnecessários.

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