Integração Multi-Ômica: Seus Desafios e Benefícios

A integração de ômicas utiliza dados de abordagens multi-ômicas para acessar informações globais de um sistema biológico. Entenda!
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O desenvolvimento das Ciências Ômicas permitiu a obtenção de grandes avanços na medicina personalizada. No entanto, trabalhar individualmente com estas ciências não é suficiente para entender toda a complexidade da biologia. Este é o papel da integração multi-ômica.

Saiba o que é a integração de dados multi-ômicos, como a abordagem pode ser utilizada, quais os desafios encontrados e seu papel no projeto SARS-OMICs. 

A Integração multi-ômica

A integração multi-ômica utiliza de abordagens de ciências ômicas para a geração de dados que permite acessar informações globais de um sistema biológico. Portanto, a integração dos dados multi-ômicos é utilizada para um conhecimento mais abrangente sobre os processos biológicos e patológicos.

O progresso das ciências ômicas e ferramentas para análise de dados biológicos tem gerado uma mudança no paradigma de estudos clínicos. 

Enquanto a genômica, transcriptômica e a proteômica em sua maioria ainda são analisadas de maneira individual, ciências como a epigenômica, metabolômica e farmacogenômica estão caminhando para a integração dos dados ômicos.

Tipos de ciências ômicas usadas no projeto SARS-OMICS

Atualmente, no projeto SARS-OMICS, nosso grupo busca caracterizar os microrganismos presentes no trato respiratório em pacientes com a COVID-19, utilizando técnicas de Sequenciamento de Nova Geração (NGS).

Entre as abordagens ômicas utilizadas no projeto estão inseridas: 

  • Metagenômica
  • Metatranscriptômica (Viroma)
  • Metataxonômica (Microbioma)
  • Transcriptômica. 
integração multi-ômica

Saiba mais sobre elas a seguir:

Metagenômica

A Metagenômica é o campo de estudo que tem como objetivo entender a diversidade, taxonomia e do potencial funcional de uma comunidade ou população de microrganismos que coexistem em um ambiente. Para isso, é realizada a extração e sequenciamento do material genético total de uma amostra. 


Podemos dizer que o estudo de metagenomas pode ser dividido em dois tipos: 

  1. Metagenoma shotgun: Permite acessar a composição e distribuição de comunidades microbianas sem a necessidade de cultivo (abordagem molecular-independente-de-cultivo)
  2. Metagenômica de amplicons (Metataxonomia; Metabarcoding): Usualmente chamado de Microbioma, quando o estudo utiliza um fragmento do gene rRNA 16S de bactérias, e Micobioma, quando o estudo utiliza a região ITS (Nuclear ribosomal internal transcribed spacer) de fungos.

No SARS-OMICS, utilizamos técnicas de Metabarcoding para acessar o Microbioma (amplicon 16S sequence), e o Micobioma (amplicon ITS-1 sequence). Esta técnica permite a identificação e caracterização do perfil genético de bactérias e fungos, respectivamente.

Metatranscriptômica (Viroma)

A metatranscriptômica é um campo de estudo que tem como objetivo entender os padrões de transcritos através do sequenciamento do RNA de amostras ambientais. 

A análise da metatranscriptômica exige cuidados essenciais, pois o RNA é uma molécula altamente instável, tendente a destruição e com um período de vida curto. 

Por conta disso, o armazenamento e a manutenção das amostras a serem analisadas são tarefas de extrema importância para a obtenção de bons resultados.

O uso dessa metodologia permite identificar vírus em uma amostra, uma vez que o material genético de grande parte dos vírus é o RNA. Por isso, no projeto SARS-OMICS, esta técnica é utilizada para identificação de SARS-CoV-2 e análise de RNAm de outros microrganismos.

Metataxonômica (Microbioma)

A metataxonômica é o estudo que tem como objetivo caracterizar e estabelecer as relações do conjunto de microrganismos presentes em um determinado ambiente (microbiota ou micobiota).

O microbioma humano é formado por um grande conjunto de microorganismos presentes em várias partes do organismo. Ele é fundamental para a saúde humana e seus estudos podem facilitar o entendimento e o diagnóstico de doenças, bem como a produção de novos medicamentos e antibióticos.

Dentre os microbiomas, o microbioma intestinal é o que mais tem sido estudado por parte dos pesquisadores. Estima-se que ele tenha mais de 1 trilhão de bactérias e possui um papel importante na resposta imunológica.

Segundo um estudo publicado na revista Nature, a microbiota intestinal é um centro de sinalização metabólica que capta a partir da entrada elementos externos como a dieta alimentar, sinais genéticos capazes de afetar o metabolismo, a atividade imunológica e a respostas a infecções.

O estudo aponta ainda que alterações na comunicação entre a microbiota intestinal e o sistema imunológico inato podem desencadear doenças complexas. 

Outro artigo de revisão publicado pelo Journal of Veterinary Internal Medicine, informa que alterações que ocorram diretamente no microbioma gastrointestinal também pode causar graves doenças, como inflamações intestinais, doenças cardiovasculares, condições imunomediadas e até mesmo doenças que afetem o sistema neurológico.

Por conta disso, o monitoramento e análise do microbioma intestinal é uma tarefa importante para área da saúde, sendo fundamental para o conhecimento e desenvolvimento de novos tratamentos para diversas doenças.

Entre as diversas doenças estudadas, a relação entre o microbioma e a COVID-19 tem sido um alvo de grandes estudos por parte dos pesquisadores.

Transcriptômica

A transcriptômica é o campo de estudo que tem como objetivo entender os padrões da expressão gênica através do sequenciamento do RNA total de uma amostra, o transcriptoma.

Ou seja, a técnica fornece indícios sobre quais genes podem estar sendo expressos em uma determinada situação fisiológica, na qual uma célula ou tecidos pode estar sendo expostos.  

O sequenciamento de RNA (RNA-Seq), é uma importante ferramenta para a análise do transcriptoma. Através dele pesquisadores podem: 

  • Obter visibilidade de alterações que não foram detectadas nos estados da doença em resposta a uma atividade terapêutica;
  • Identificar as isoformas de transcrição e fusões de genes;
  • Realizar mapeamentos de mutações que afetam diretamente a expressão de genes.

É importante mencionar que a criação de bancos de dados de transcriptomas tem uma grande importância para a análise dos transcritos. Os bancos de dados podem fornecer dados importantes sobre quais genes estão sendo expressos em determinados ambientes celulares e dessa forma, é possível também inferir a suas funções.

No SARS-OMICS, o transcriptoma humano é analisado em uma pequena parte das amostras buscando integrar informações associadas aos patógenos com a expressão de genes humanos a fim de encontrar um padrão para a infecção por COVID-19.

Desafios das interpretações dos dados multi-ômicos.

A integração multi-ômica é uma abordagem que cada vez mais gera interesse da comunidade científica. Alguns estudos já fazem uso de duas ou mais ciências ômicas para analisar microbiomas e entender processos metabólicos.

No entanto, o uso da integração multi-ômica produz desafios relacionados à análise e interpretação dos dados e resultados. 

As principais dificuldades na integração multi-ômica estão relacionadas ao tamanho e a heterogeneidade dos dados. O desenvolvimento de novas tecnologias de ômicas e os estudos em grande escala, provocam uma imensa quantidade de dados heterogêneos.

Esses grandes volumes de dados heterogêneos precisam ser tratados adequadamente dentro da metodologia de cada estudo, uma vez que eles compreendem um conjunto de dados gerados por modalidades de dados completamente diferentes.

Um outro fato interessante é que existem também desafios relacionados à integração de dados ômicos e dados não ômicos, como dados clínicos, epidemiológicos e dados de imagem para obter melhores análises e informações de eventos biológicos.

A integração de dados multi-ômicos com dados não ômicos encontra barreiras por conta de uma série de fatores, e entre eles estão inseridos a heterogeneidade dos dados multi-ômicos.

Por conta disso, cientistas precisam ou são motivados a desenvolverem novas metodologias para a integração multi-ômica. A preparação dos dados, criação de data lakes, aplicação de modelagem preditiva e técnicas de aprendizado de máquina são algumas das etapas que estão sendo desenvolvidas no projeto SARS-OMICS.

Resultados Preliminares do Projeto SARS-OMICS

Atualmente no projeto, há 508 amostras de swab nasofaríngeo de pacientes infectados pela COVID-19 que estão sendo analisadas. Dessas 430 foram submetidas ao sequenciamento de microbioma 16S/ITS e 398 ao sequenciamento de viroma de RNA.  

As 430 amostras submetidas ao sequenciamento de microbioma 16S/ITS foram analisadas quanto a presença de microorganismos por meio da plataforma QIIME2 (https://qiime2.org.br).

Nas análises do microbioma/micobioma 16S/ITS foram identificados os gêneros bacterianos mais comuns: Staphylococcus, Corynebacterium, Streptococcus, Prevotella e Veillonella. Enquanto o gênero de fungo mais comumente encontrado foi a Candida, destacando as espécies Candida africana e Candida tropicali.

Já nas amostras de viroma, de 294 amostras foi possível recuperar cerca de 208 genomas completos de Sars-Cov-2.

A partir das análises do viroma, foi possível montar um dashboard de monitoramento das métricas de qualidade das corridas de sequenciamento e das linhagens de Sars-Cov-2, com o objetivo de facilitar o compartilhamento de informações sobre a COVID-19. A ferramenta se encontra disponível no site da Sarsomics.

Além disso, tendo em vista a integração multi-ômica presente nesse projeto e a enorme quantidade de dados gerados, foi desenvolvido uma ferramenta, o Varsmetagen, com o intuito de exibir os resultados do projeto considerando sua natureza multi-ômica e integrar esses resultados.

Conheça mais sobre a nova plataforma de análises e identificação de microrganismos em sequenciamento de NGS aqui. 

Referências:

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