Íntrons: a importância do material genético considerado “DNA lixo”

Íntrons são sequências não codificantes que já foram considerados “DNA lixo”. No entanto, não poderia estar mais distante da verdade.
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Você já deve ter ouvido falar sobre os introns, a parte do nosso DNA que é considerado ‘DNA lixo’. Esse termo é utilizado para falar sobre regiões do nosso genoma que, aparentemente, não tem função. Apesar dos conceitos de funcionalidade serem relativos no que diz respeito ao nosso genoma, o mais comum determina que sequências que resultam em proteínas são mais relevantes enquanto as outras são, muitas vezes, consideradas supérfluas. 

No processo de transcrição, uma RNA polimerase usa uma molécula de DNA como molde para fazer uma fita de RNA complementar. A partir dessa molécula é formado o RNA mensageiro que, por sua vez, é traduzido em proteínas.  O processo de formação do RNA mensageiro maduro conta com o splicing, mecanismo que mantém as regiões que codificam para proteínas, os éxons, e retira as sequências não codificantes, os íntrons. Durante muito tempo os introns foram considerados apenas “DNA lixo” pois não havia função atribuída a eles. 

Com grande parte do genoma humano sem função atribuída e identificado como DNA lixo, com o passar do tempo um questionamento começou a ser levantado: “ Porque gastar energia em transcrever sequências de DNA para RNA se não codificam proteínas? E como essas sequências se mantiveram conservadas ao longo de toda uma história evolutiva sem serem eliminadas pelos processos seletivos? ”

Projeto ENCODE (Encyclopedia of DNA elements)

O Projeto Genoma Humano tinha como objetivo definir o que compõe nosso genoma mas, ao fazê-lo, naturalmente levantou a questão da funcionalidade dessas sequências de DNA identificadas. Com o objetivo de responder a esses questionamentos, foi criado o Projeto ENCODE, uma colaboração internacional entre grupos de pesquisa pelo Instituto Nacional do Genoma Humano.

Iniciado em 2003, ele acumulou dados de apenas 1% do genoma humano mas identificou quais métodos seriam melhores para realizar essa procura e elucidou funcionamentos da expressão gênica. Após essa fase inicial, entre 2007 e 2012, foram realizados novos estudos com auxílio de tecnologias mais recentes. Nessas publicações, características sobre anotações de regiões codificantes e não codificantes, fatores de transcrição e metilação de DNA entre outros, foram identificados.

O projeto ENCODE determinou que 80% do nosso genoma tem funcionalidade, não necessariamente na produção de proteínas, mas na capacidade de apresentar atividades bioquímicas que afetam o corpo humano de alguma forma. No entanto, contrariando essa teoria, existe a hipótese de que é improvável que a taxa de funcionalidade do genoma humano exceda 15%. Dan Graur calculou essa porcentagem através de taxas de mutação e de reprodutibilidade, alegando que se grande parte do genoma fosse funcional, seria necessário ter muitos filhos para que algum de fato sobrevivesse uma vez que haveriam diversas mutações acumuladas no genoma que poderiam ser fatais.

Como dito anteriormente, os conceitos de funcionalidade são diferentes para cada grupo de estudo o que gera contradições e impossibilita uma afirmação concreta de quanto do nosso genoma tem função definida. De qualquer maneira, os introns seguem sendo constantemente estudados e algumas funções já foram atribuídas a eles, diminuindo sucessivamente a crença de que sejam “DNA lixo”.

Como os íntrons foram descobertos

Antes dos íntrons serem descobertos em 1977 por Richard Robert e Phil Sharp, acreditava-se que o RNA mensageiro era uma transcrição fiel do DNA, como acontece em muitos procariotos. Os pesquisadores observaram por microscopia eletrônica as hibridizações do RNA transcrito com as moléculas de DNA complementares (R loop) e perceberam que as moléculas de RNAm eucarióticas que chegaram até o citoplasma são mais curtas do que os genes aos quais correspondem, indicando que lacunas do DNA são perdidas. Essas moléculas retiradas foram chamadas de íntrons.

Ainda não foi elucidado como eles surgiram, no entanto, existe o debate de teorias entre  íntrons adiantados ou tardios. A teoria dos íntrons adiantados prevê que estas sequências são estruturas antigas que antecederam as vidas celulares. Dessa forma, os organismos que não a contém, como os procariotos, as perderam durante seus processos evolutivos. Já na teoria dos íntrons tardios, esses teriam aparecido em algum momento durante a evolução eucariótica.

Com a escassez de informações, esse debate durou anos, até que os métodos de sequenciamento se aprimoraram e foi possível fazer a comparação de diversos genomas completos. Dessa forma, a teoria de íntrons adiantados foi enfraquecida pela pouca densidade em procariotos, indicando que podem não ter feito parte de sua construção genética. No entanto, o debate ainda existe e há quem acredite que a realidade possa ser uma junção das duas perspectivas.

Classificação dos íntrons

Os íntrons já possuem algumas classificações. Eles podem ser spliceossomais, íntrons self-splicing de grupos I e II ou de RNA de transferência.

Os íntrons spliceossomais são encontrados apenas no núcleo de genomas de eucariotos e são retirados por splicing. Os spliceossomas possuem uma região que reconhece os íntrons e, com auxílio de pequenas ribonucleoproteínas nucleares(snRNP), iniciam sua clivagem retirando os íntrons e permitindo que o RNA mensageiro maduro seja formado apenas com os éxons. 

Algumas moléculas de íntrons são capazes de realizar seu próprio mecanismo de excisão,sem ajuda de spliceossomas, chamados de self-splicing. Em ambos os casos, as sequências intrônicas conseguem se retirar e unir os éxons, no entanto, há uma separação de grupos. O Grupo I foi o primeiro descoberto e nele há a atuação de um cofator de guanina que ajuda nos processos de transesterificação e ligação dos éxons.  Já no Grupo II, encontrado em genes mitocondriais, há uma clivagem similar a dos íntrons spliceossomas mas com um grupo hidroxila atuando no ataque nucleofílico permitindo a formação de um íntron em laço.

Os íntrons de RNA de transferência (RNAt), por sua vez, interrompem características estruturais importantes da molécula de RNAt madura podendo afetar diretamente a tradução. O splicing dos íntrons de RNAt são realizados por um complexo de proteínas, endonucleases que clivam o íntron e ligases que reúnem os éxons.

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Funções atribuídas aos íntrons

Atualmente, os íntrons já possuem algumas funções definidas. Eles participam ativamente do controle da expressão gênica, por exemplo, através do splicing alternativo. Nele, são feitas combinações de diferentes éxons no transcrito primário gerando mais de uma proteína com apenas um gene. Da mesma forma, está relacionado com o “Éxon shuffling”, um processo que permite a formação de novos genes. Nele, ocorre uma recombinação de moléculas de DNA que permite que os éxons sejam colocados em posições diferentes e, dessa forma, novas sequências são geradas.

Através dos bancos de dados de sequenciamento foi identificado que os íntrons estão distribuídos de forma conservada dentro do genoma de organismos eucariotos de diferentes complexidades. Dessa forma, acredita-se que na evolução da produção de proteínas complexas, os domínios foram embaralhados e reagrupados de forma a gerar novas sequências para formação de proteínas de diferentes funções.

De modo geral há poucos registros de sequências intrônicas em procariotos, no entanto, grande parte do genoma dos eucariotos são compostos por elas. Os primatas possuem uma alta densidade, enquanto seres vivos de menor complexidade apresentam uma menor quantidade. O seu comprimento também varia, sendo diferente até dentro de uma mesma espécie. Os íntrons possuem diferentes tamanhos e acredita-se que isso esteja diretamente relacionado com a expressão gênica uma vez que foi observado que na maioria dos organismos quando os íntrons são menores os genes têm a tendência a serem mais expressos.

Os íntrons retidos acontecem por processos de splicing alternativo onde, ao invés da sequência ser retirada, ela se mantém no RNA mensageiro maduro. A partir deles podem se desenvolver diversas alterações na regulação da expressão gênica. Eles podem alterar a forma da proteína produzida, impedir a expressão gênica, alterar a eficiência da tradução, entre outras. Apesar de terem sua função estabelecida em plantas e leveduras, só recentemente com o desenvolvimento de bancos de dados e análises de bioinformática, foi reconhecido seu papel extremamente importante na regulação da expressão gênica em mamíferos.

Os íntrons também podem ser utilizados como marcadores genéticos polimórficos, normalmente o mais utilizado é o polimorfismo do comprimento do intron (intron length polimorfism/ILP). Ele costuma ser utilizado em estudos populacionais por ser facilmente identificado em técnicas moleculares. Através de PCR (Polymerase chain reaction) pode-se encontrar alterações nas sequências variáveis de íntrons que se encontram flanqueadas por éxons fortemente conservados.

Esses foram apenas alguns exemplos que resumem a importância dos íntrons no funcionamento do genoma. As novidades em relação a esse assunto estão em constante mudança, inclusive no que diz respeito ao efeito das variações e mutações intrônicas no desenvolvimento de doenças. Os íntrons ainda são foco de muitos debates na comunidade científica por serem extremamente complexos e, de modo geral, ainda não se consegue chegar em um consenso sobre o que seria “útil” ou não para o genoma humano. No entanto, sua importância é indiscutível e tende a aumentar a medida que as metodologias de sequenciamento de nova geração se expandem.

Referências

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