Um estudo recentemente publicado na revista Nature revelou que pessoas que vivem mais de 100 anos apresentam uma microbiota intestinal única que pode ajudar a proteger o intestino de patógenos e regular as respostas imunológicas do corpo.


O papel da microbiota na saúde
A microbiota intestinal tem um papel essencial na manutenção da saúde humana. Entre as principais funções, os microrganismos que habitam o intestino são responsáveis por processos de digestão e absorção de nutrientes e manter o equilíbrio da microbiota, protegendo contra a proliferação de microrganismos patogênicos.
Em idosos, estudos de microbiota intestinal procuram entender o papel dos microrganismos na saúde destes indivíduos em várias funções vitais além do controle da digestão, como em funções cognitivas, atividade neural, imunidade e densidade óssea.
Em geral, as consequências do envelhecimento para a microbiota intestinal é a redução de densidade e aumento da variabilidade destes microrganismos, que tem como consequência inflamações sistêmicas, fragilidade e deficiência imunológica.
No entanto, a história é diferente quando se trata de indivíduos centenários, ou seja, com mais de 100 anos de idade. Pesquisas mostraram que centenários são menos suscetíveis a doenças crônicas relacionadas a idade, além de ter sido capazes de sobreviver a vários episódios de infecções durante a vida.


Longevidade e microbiota intestinal
Neste cenário, um grupo de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Keio no Japão e do The Broad Institute do MIT e Harvard, nos Estados Unidos, analisou microrganismos encontrados em amostras fecais de japoneses de três principais grupos: Centenários (em média 107 anos de idade, n = 160), idosos (85-89 anos, n = 112) e jovens (21-55 anos, n = 47).
O objetivo do estudo foi identificar microrganismos que fazem parte da microbiota intestinal dos centenários que apresentem uma contribuição benéfica para a saúde e longevidade. Para isso, o grupo realizou a metagenômica das amostras através do sequenciamento do RNA ribossomal 16S, altamente conservado entre bactérias.
O estudo identificou que os centenários apresentam uma assinatura de microbiota intestinal específica que se difere dos outros grupos mais jovens. A microbiota do grupo centenário apresentou um nível mais alto de bactérias que produzem ácidos biliares secundários, especificamente isoLCA, 3-oxoLCA, 3-oxoalloLCA e isoalloLCA.
Os ácidos biliares secundários são gerados por microrganismos de cólon. Estudos anteriores demonstraram que estes ácidos, que até então eram apenas relacionados a função alimentar, desempenham um importante papel na imunidade.
Resumidamente, os ácidos biliares modificados por microrganismos ativam as células imunes T reguladoras (Treg) e T auxiliares efetoras (TH17), que exercem funções nas inflamações intestinais e, portanto, na proteção contra agentes enteropatogênicos.
Entre os ácidos biliares identificados, IsoalloLCA se destaca como um dos agentes antimicrobianos mais eficazes contra a bactérias gram-negativas. Seu potencial antimicrobiano tem ação inclusive em patógenos multirresistentes, ou seja, com resistência a múltiplos medicamentos.
Esta característica foi demostrada no estudo através de um ensaio laboratorial que demonstrou que na presença da molécula IsoalloLCA, houve uma inibição do crescimento de Clostridioides difficile, uma bactéria patogênica conhecida por causar inflamação intestinal e diarreia.
Em outro ensaio realizado pelo grupo, camundongos infectados com Clostridioides difficile tiveram sua dieta suplementada com IsoalloLCA que demonstrou uma supressão na infecção pelo patógeno. A molécula também foi testada para outros patógenos e apresentou potencial na inibição do crescimento de bactérias gram-postitivas. Desta forma, os resultados sugerem que IsoalloLCA pode contribuir com o equilíbrio da microbiota e da saúde intestinal.
Embora a relação entre os ácidos biliares do intestino e a longevidade dos centenários ainda precise ser melhor investigada, os resultados podem ajudar os pesquisadores a manipular a capacidade de metabolização do ácido biliar das cepas de bactérias identificadas para tratar infecções causadas por bactérias resistentes a antibióticos.
Trabalho citado
Sato Y, Atarashi K, et al. Unique bile acid-metabolizing bacteria in centenarians’ microbiome. Nature. 29 de Julho, 2021. DOI:10.1038/s41586-021-03832-5