Mosaicismo: tipos, causas e doenças relacionadas

O mosaicismo é um fenômeno bastante comum na natureza. Entenda como ele pode estar relacionado com doenças e como pode ser detectado!
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A mutação das sequências de bases nitrogenadas no DNA é o principal mecanismo da natureza para o acontecimento da seleção natural.

O mosaicismo, por exemplo, ocorre quando algumas dessas mutações acontecem de tal modo que um mesmo indivíduo pode ter dois genomas diferentes em seu conjunto de células. Ainda assim, trata-se de um fenômeno que faz parte do desenvolvimento normal embrionário dos animais.   

Em alguns casos, contudo, ele revela condições patológicas ou mesmo de um risco aumentado para determinadas condições. Entenda como ele acontece e como pode ser observado!

O que é o mosaicismo? 

A condição genética do mosaicismo é definida pela presença de duas ou mais linhagens genéticas diferentes oriundas de um mesmo zigoto. Tais linhagens são o resultado de mutações executadas a partir de diferentes mecanismos.

esquema ilustrativo do mosaicismo na divisão celular

O que causa o mosaicismo?

O fenômeno do mosaico se apresenta de duas maneiras: em linhagens germinativas e como mosaicismo somático. 

Mosaicismo em linhagens germinativas

No mosaicismo em linhagens germinativas, as mutações ocorrem seletivamente através de mecanismos pós-zigóticos, ainda nas células germinativas, podendo ser herdadas pelos descendentes do indivíduo.

Esse tipo de mosaico pode ocorrer durante os processos meióticos do desenvolvimento embrionário ou mesmo em outros momentos da vida a partir da mutagênese regulada por fatores epigenéticos.

Mosaicismo somático

O mosaicismo somático carrega esse nome em função de mutações ocorridas em células somáticas, responsáveis por formar tecidos e órgãos. Essas mutações não são transmitidas entre gerações.

Ambos os tipos de mosaicismo podem ocorrer em um mesmo indivíduo, entretanto, o somático está associado com doenças genéticas mais letais do que aquelas associadas ao mosaico de linhagem germinativa.

Mosaicismo ou Quimerismo?

O mosaicismo difere do quimerismo, em que também se observa duas linhagens celulares com genomas diferentes. O quimerismo, porém, é resultante da fusão de dois diferentes zigotos em um mesmo embrião, não estando relacionado com processos mutagênicos.

Quais são as doenças relacionadas ao mosaicismo?

Doenças associadas ao mosaicismo variam muito em questão de gênero e grau, podendo incluir distrofias musculares (como a de Duchenne), distúrbios metabólicos (como a Tirosinemia) e também distúrbios da pele e do sistema imune.

A tabela abaixo traz alguns distúrbios associados com o mosaicismo, confira:

distúrbios associados ao mosaicismo
Condições mendelianas associadas com o mosaicismo.

Além disso, mosaicos somáticos estão intimamente ligados com o surgimento do câncer, onde mutações em genes de supressão tumoral e em oncogenes levam células saudáveis ao crescimento e a divisão desenfreada.

De maneira geral, os mecanismos envolvidos na regulação de um mosaico são aqueles normalmente observados em eventos de mutação:

Enquanto as SNVs são responsáveis pela mudança de somente um nucleotídeo, as indels podem modificar até cinquenta pares de bases. As variações estruturais, por sua vez, são capazes de gerar mudanças em milhares de pares de bases.

A observação fenotípica do mosaicismo está diretamente relacionada com a extensão dos genes afetados. Portanto, quando existirem cópias distintas de um mesmo cromossomo, o fenótipo será mais evidente.

Dessa maneira, o mosaicismo cromossômico é definido pela presença de dois ou mais complementos cromossômicos em um indivíduo nascido de apenas um zigoto.

Embora esse tipo de mosaicismo também possa ocorrer em função de variações estruturais, é mais comum que ele seja resultado de aneuploidia (a alteração do número de cópias de um mesmo cromossomo).

Aneuploidia em mosaico

A aneuploidia em mosaico é responsável pela sobrevivência pós-natal de muitos indivíduos portadores de doenças genéticas.

Isso acontece pois, embora algumas formas de aneuploidia (como aquela presente na Síndrome de Down) sejam compatíveis com a vida, a maior parte delas não o é quando presentes de maneira universal no genoma. 

Os eventos geradores da aneuploidia ainda são objeto de questionamento por parte dos cientistas, mas eles certamente incluem:

  • A perda de uma das cópias de um cromossomo trissômico durante a meiose.
  • Não-disjunções ou um atraso da anáfase durante a divisão somática.

Descobertas recentes também indicam que a aneuploidia em mosaico nem sempre está ligada a eventos patológicos. Ela inclusive é uma parte fundamental do desenvolvimento do sistema nervoso central de humanos.

Sendo assim, o mosaicismo é um fenômeno comum da genética animal que ainda precisa de maiores esclarecimentos. Para que isso aconteça, são necessárias metodologias capazes de identificar tais eventos. 

Quais são alguns dos métodos de detecção de um mosaico?

As condições genéticas que ocorrem de maneira universal em um determinado genoma podem ser detectadas com relativa facilidade, já que podem ser observadas a partir de uma única amostra.

Por outro lado, para trabalhar com mosaicos, algumas questões precisam ser conhecidas, como:

  • Quais tecidos devem ser amostrados?
  • E em qual quantidade?
  • Qual deve ser o limiar de detecção?
  • Se a amostra foi clonada in-vitro, existem garantias de que as células clonadas são fidedignas?

Diagnóstico por citogenética

Os métodos citogenéticos convencionais são o padrão ouro para a avaliação do mosaicismo cromossômico. Eles são capazes de detectar aberrações estruturais envolvendo deleções, translocações e mudanças no número de cópias.

Além disso, as técnicas de Hibridização Fluorescente in-situ podem ser usadas em células em interfase, o que é particularmente útil no screening de diversos tipos de câncer e também na testagem pré-natal.

Entretanto, o mosaicismo pode estar presente em baixos níveis (< 5%), o que torna a microscopia menos adequada. Para estes casos, portanto, são necessários métodos alternativos, como o sequenciamento genético.

Sequenciamento genético para diagnóstico de mosaicismo

O Sequenciamento  de Nova Geração (NGS) pode ser um método de escolha ideal para a detecção de mutações em mosaico, uma vez que viabiliza a leitura de bilhões de sequências com alta sensibilidade.

Um exemplo dessa aplicação é na detecção de mutações em células sanguíneas de pacientes com malformação cerebral. Em contraste com o sequenciamento de Sanger, essas mutações foram detectadas com uma sensibilidade 60% maior quando métodos de NGS foram empregados, segundo a pesquisa da Springer.

Além disso, estas técnicas facilitam a avaliação de células únicas e também de populações celulares inteiras, o que torna a amostragem um processo mais fácil.

O sequenciamento de células únicas apresenta uma vantagem muito particular: a detecção de alelos variantes de baixa frequência. A alta resolução apresentada por essa técnica tem aumentado muito o número de descobertas sobre mosaicismo.

Quando as células a serem estudadas são clonadas em vitro, reversões do mosaicismo podem acontecer. Para lidar com essa situação, é possível fazer uso de ferramentas da metagenômica e sequenciar diretamente o material genético coletado do indivíduo.

Isso é traduzido em novos saberes sobre doenças que obrigatoriamente se manifestam em mosaico e também sobre doenças “comuns” em que o mosaicismo ainda se apresenta como uma incógnita.

Sendo assim, o Sequenciamento de Nova Geração representa uma chave para o entendimento do mosaicismo somático, que possui uma relação causal com o surgimento do câncer em indivíduos previamente saudáveis.

Conclusão

O mosaicismo, além de um evento importante para o correto desenvolvimento de órgãos como o cérebro, possui implicações em muitas doenças. Como discutido, tanto o mosaicismo de linhagem germinativa quanto o mosaicismo somático são, ainda hoje, objeto de discussão e pesquisa de muitos cientistas.

Tal fenômeno, portanto, pode ser a chave da compreensão de doenças como o câncer, tornando as tecnologias de sequenciamento uma ferramenta poderosa na busca por tratamentos e formas de prevenção mais adequadas do que aqueles disponíveis atualmente.

Referências

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