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O Dia Internacional da Conscientização das Mucopolissacaridoses (MPS Day) é celebrado no dia 15 de maio em todo mundo. Mucopolissacaridoses (MPS) são desordens metabólicas hereditárias causadas por disfunção ou deficiência de enzimas Lisossomais.
Essa disfunção leva ao acúmulo de partículas, chamadas glicosaminoglicanos, nos órgãos e tecidos dos indivíduos que possuem o distúrbio.
Dessa maneira, caso não seja identificado e tratado precocemente, o distúrbio pode causar diversos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida e longevidade de indivíduos. Vamos explorar mais sobre esta condição?
O que são Mucopolissacaridoses (MPS)?
Resumidamente, mucopolissacaridoses (MPS) formam um conjunto de distúrbios do depósito lisossomal, causando deficiências nas enzimas do lisossomo.
Por sua vez, o lisossomo é uma organela presente no citoplasma das células dos eucariotos, que realiza digestão de partículas.
Consequentemente, esses distúrbios são causados por deficiência ou mal funcionamento de enzimas do lisossomo, responsáveis pela degradação de glicosaminoglicanos, causando o acúmulo da partícula em células e tecidos. Assim, as Mucopolissacaridoses são consideradas distúrbios de depósito lisossomal (DDL).
Glicosaminoglicanos (GAGs)
Glicosaminoglicanos (GAGs), também conhecidos como mucopolissacarídeos, são polissacarídeos formados por um núcleo central proteico e cadeias laterais compostas por repetitivas unidades de dissacarídeos.
As variações no tipo de monossacarídeos e outras modificações, resultam em diferentes categorias de GAGs, estando entre elas:
- ácido hialurônico;
- sulfato de heparina;
- sulfato de queratana;
- sulfatos de condroitina.
Dessa forma, as funções dos GAGs dependem de sua estrutura e do tecido ou célula onde está sendo produzido.
Esses polímeros são os principais componentes da matriz extracelular e são fundamentais no tecido conjuntivo.
Todos os GAGs têm em comum uma grande afinidade com água. Portanto, uma de suas principais funções no corpo é a hidratação no espaço celular.
No entanto, as GAGs também desempenham um papel fundamental no transporte molecular e sinalização celular.
A sinalização por sua vez, é responsável por modular uma série de processos bioquímicos como anticoagulação, cicatrização, regulação do crescimento celular, entre outros.
Por ser um componente fundamental, os GAGs são constantemente produzidos pelo corpo e, da mesma forma, seu excesso deve ser frequentemente degradado no lisossomo.
Nesse contexto, dependendo da deficiência ou falha nas enzimas que digerem GAGs específicos, pode ocorrer um acúmulo desse polímero em diferentes células, tecidos e órgãos de indivíduos.
Portanto, o acúmulo de GAGs leva a um crescimento anormal de células e consequentemente ao aumento de órgãos como fígado, baço e pele.


Tipos de Mucopolissacaridoses (MPS)
As Mucopolissacaridoses são de origem genéticas e de caráter hereditário. A MPS podem se manifestar em diferentes fenótipos e graus de severidade de sintomas. Além disso, os sintomas e fenótipos variam significantemente de acordo com o tipo da síndrome.
As classificações de Mucopolissacaridoses são divididas de acordo com o tipo de GAG em abundância na urina, com a enzima em deficiência e o fenótipo dos indivíduos com MPS. Até o momento, 11 tipos e subtipos de mucopolissacaridoses foram identificados, sendo 7 principais.
Com os avanços da genética também se tornou possível identificar os genes responsáveis pela síntese das enzimas específicas de cada tipo de MPS.
Tipo I:
MPS I, também conhecida como Síndrome de Hurler, Hurler-Scheie e Scheie. Resulta de uma mutação no gene IDUA localizado no cromossomo 4p16.3. Até o momento, 223 mutações desse gene já foram identificadas no banco de dados Human Gene Mutation Database.
Essas mutações levam a deficiência da enzima α-Liduronidase e consequente acúmulo dos GAGs sulfato de heparan (HS) e sulfato de dermatan (DS). Os sintomas relacionados são:
Somáticos:
- Fácies grosseira;
- Opacidade de córnea;
- Obstrução das vias aéreas;
- Doença pulmonar restritiva;
- Doença valvar cardíaca;
- Hipertrofia cardíaca;
- Hepatomegalia (aumento anormal do fígado);
- Displasia esquelética;
- Contraturas articulares.
Neuropáticos:
- Atraso de desenvolvimento;
- Deficiência intelectual;
- Declínio cognitivo;
- Convulsão (não presente nas formas mais brandas da síndrome).
A prevalência de indivíduos com MPS I é a mais alta no Reino Unido, Holanda, Alemanha e Austrália.


Tipo II:
MPS II, também conhecida como Síndrome de Hunter. Resulta de uma mutação no gene IDS localizado no cromossomoXq28. MPSII é uma distúrbio hereditário de caráter recessivo ligada ao cromossomo X, dessa forma, atinge majoritariamente homens que herdam o alelo da mãe portadora.


Até o momento, 552 mutações desse gene já foram identificadas. Essas mutações levam a deficiência da enzima Iduronato sulfatase e consequente acúmulo de HS e DS. Os sintomas de MPS II são os mesmos observados em MPS I, com exceção da opacidade de córnea.
A prevalência de indivíduos com MPSII é a mais alta no Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China.
Tipo IIIA
MPS IIIA, também conhecida como Síndrome de Sanfilippo A. Resulta de uma mutação no gene SGSH localizado no cromossomo 17q25.3. Até o momento, 142 mutações desse gene já foram identificadas no banco de dados.
Essas mutações levam a deficiência da enzima heparan N-sulfatase e consequente acúmulo de HS. Os sintomas de MPS IIIA são mais suaves e incluem:
Somáticos:
- Fácies grosseira;
- Obstrução das vias aéreas;
- Doença pulmonar restritiva;
- Doença valvar cardíaca;
- Hipertrofia cardíaca;
- Hepatomegalia (aumento anormal do fígado);
- Displasia esquelética;
- Contraturas articulares.
Neuropáticos:
- Atraso de desenvolvimento;
- Deficiência intelectual;
- Hiperatividade;
- Problemas comportamentais;
- Convulsões.
A prevalência de indivíduos com tipo III A é a mais alta no norte do continente Europeu.
Tipo IIIB
MPS IIIB, também conhecida como Síndrome de Sanfilippo B. Resulta de uma mutação no gene NAGLU localizado no cromossomo17q21. Até o momento, 156 mutações desse gene já foram identificadas no banco de dados.
Essas mutações levam a deficiência da enzima N-acetilglucosaminidase e consequente acúmulo de HS. Os sintomas são indistinguíveis do tipo IIIA.
A prevalência de indivíduos com o tipo III B é a mais alta na Grécia.
Tipo IIIC
MPS IIIC, também conhecida como Síndrome de Sanfilippo C. Resulta de uma mutação no gene HGSNAT localizado no cromossomo 8p11.21. Até o momento, 66 mutações desse gene já foram identificadas no banco de dados.
Essas mutações levam a deficiência da enzima heparan-α-glucosaminida N-acetiltransferase e consequente acúmulo de HS. Os sintomas são os mesmos observados no tipo IIIA .
A prevalência de indivíduos com o tipo III C é a mais alta na Holanda, Portugal e Austrália.
Tipo IIID
MPS IIID, também conhecida como Síndrome de Sanfilippo D. Resulta de mutação no gene GNS localizado no cromossomo 12q14. Até o momento, 23 mutações desse gene já foram identificadas. O tipo IIID é considerado raro.
Essas mutações levam a deficiência da enzima N-acetilglicosamina-6-sulfatase e consequente acúmulo de HS. Os sintomas são os mesmos observados no tipo IIIA.


Tipo IVA
MPS IVA, também conhecida como Síndrome de Morquio A. Resulta de mutação no gene GALNS localizado no cromossomo 16q24.3. Até o momento, 327 mutações desse gene já foram identificadas.
Essas mutações levam a deficiência da enzima galactosamina-6-sulfatase e consequente acúmulo de HS e sulfato de queratano (KS).
Essa síndrome é caracterizada pela displasia esquelética predominante e estatura baixa. O tipo IV também impede o crescimento da coluna, enquanto o resto do corpo pode se desenvolver normalmente. Pacientes com Mucopolissacaridose tipo IVA não apresentam sintomas neuropáticos.

Tipo IVB
MPS IVB, também conhecida como Síndrome de Morquio B Resulta de mutação no gene GLB1 localizado no cromossomo 3p22.3. Até o momento, 209 mutações desse gene já foram identificadas.
Essas mutações levam a deficiência da enzima Beta-galactosidase e consequente acúmulo de KS. Os sintomas são os mesmos observados no tipo IVA
Tipo VI
MPS IV, também conhecida como Síndrome de Maroteaux-lamy. Resulta de mutação no gene ARSB localizado no cromossomo 5q11–q13. Até o momento, 192 mutações desse gene já foram identificadas.
Essas mutações levam a deficiência da enzima N-acetilgalactosamina-4-sulfatase e consequente acúmulo de DS. Os principais sintomas relacionados à síndrome são:
- Displasia esquelética predominante;
- Face levemente grosseira;
- Baixa estatura;
- Doença valvar cardíaca;
- Contraturas articulares.
Tipo VII
MPS VII, também conhecida como Síndrome de Sly. Resulta de mutação no gene GUSB localizado no cromossomo 7q11.21. Até o momento, apenas 3 mutações desse gene já foram identificadas.
Essas mutações levam a deficiência da enzima Beta-glucuronidase e consequente acúmulo de DS, HS e Condroitina-4-sulfato (CS). Esse tipo de mucopolissacaridose é bastante raro e foi identificado em apenas 4 indivíduos até o momento. Os sintomas relacionados são:
- Displasia esquelética;
- Baixa estatura;
- Opacidade de córnea;
- Atraso de desenvolvimento mental.
Tipo XI
MPS XI, também conhecida como Doença de Natowicks. Resulta de mutação no gene HYAL1 localizado no cromossomo 3p21.31. Mutações levam a deficiência da enzima Hialuronidase e consequente acúmulo de Ácido hialurônico.
Esse tipo de MPS foi identificado em apenas um paciente até a publicação deste artigo.
No Brasil, entre os anos de 1982 e 2019, aproximadamente 1650 pacientes foram identificados com mucopolissacaridoses. Representando uma incidência de 1,57 por 100.000 nascidos. Nesse período, a MPS com maior ocorrência no país foi do tipo II (29.84%), seguido do tipo VI e tipo I (21,25% e 19,07%, respectivamente).
Como realizar o diagnóstico?
Existem diferentes estratégias de diagnóstico de MPS. Usualmente, o processo de diagnóstico de MPS é composto pela suspeita clínica através dos sintomas observados no paciente, seguido por análises quantitativas e análise molecular para confirmar a mutação no gene referente. As análises quantitativas utilizadas no diagnóstico são:
Análises bioquímicas
Análise de Glicosaminoglicanos (GAGs) urinários
Nesse ensaio, é realizada a análise bioquímica de glicosaminoglicanos (GAGs) excretados na urina de pacientes. O aumento do nível de GAGs na urina pode indicar a deficiência de enzimas lisossomais, uma vez que o polímero não está sendo normalmente degradado.
A partir dos resultados desse ensaio, é possível prever o tipo de MPS através da identificação do padrão de GAGs. Por exemplo, pacientes com alto nível de heparán sulfato (HS) e sulfato de dermatan (DS) na urina pode indicar MPS I ou MPS II.


Ensaio enzimático – dosagem da enzima
Outra avaliação básica de diagnóstico do tipo de MPS é o ensaio enzimático. Esse ensaio é realizado com amostra do sangue do paciente e observa a atividade enzimática. Dessa forma, é possível identificar qual enzima está deficiente ou em baixa concentração no organismo e prever com maior eficiência o tipo de MPS. Por exemplo, um paciente que apresentou alto nível de HS na análise de GAGs da urina e baixa atividade da enzima heparan N-sulfatase.


Teste molecular – genético
O teste molecular pode ser utilizado para confirmar os resultados das análises bioquímicas ou também para aconselhamento genético em famílias com histórico da doença. Além disso, como os primeiros sintomas podem surgir apenas com alguns meses ou anos de vida, o teste genético permite o diagnóstico precoce.
Com o sequenciamento de nova geração, por exemplo, é possível realizar uma análise de todos os genes relacionados a MPS em um curto espaço de tempo.
O diagnóstico precoce associado ao tratamento específico pode aumentar consideravelmente a qualidade de vida do portador de MPS ou até mesmo prevenir por completo o desenvolvimento de complicações que poderiam ser irreversíveis.


Terapias para pacientes com MPS:
Além dos medicamentos e cirurgias para atenuar sintomas relacionados às síndromes, existem também dois principais tratamentos que vêm sendo utilizados em pacientes com diferentes tipos de mucopolissacaridoses. São eles:
Reposição enzimática:
A terapia de reposição enzimática é um tratamento realizado através de infusão intravenosa que repõe a enzima deficiente no paciente.
Esse tratamento vem se mostrado eficaz para a redução de características somáticas como:
- hepatomegalia;
- rigidez articular;
- doenças respiratórias.
Assim, melhorando a qualidade e expectativa de vida dos indivíduos com Mucopolissacaridoses.
Entre as desvantagens dessa terapia estão a necessidade de infusões constantes (semanalmente), alto custo e reações adversas ao tratamento.
Além disso, as enzimas não penetram no tecido conjuntivo ou ossos, portanto não é eficaz para doença cardíaca valvular ou displasia óssea.
Transplante de células-tronco hematopoiéticas
O transplante ocorre através da doação de medula de um indivíduo saudável que seja compatível com o indivíduo que irá receber as células. Esse tratamento é recomendado para casos mais severos do Mucopolissacaridoses: tipo I (Síndrome de Hurler).
Se realizado de forma precoce, até 18 meses de vida, as células-tronco são capazes de popular o sistema nervoso central e interromper a progressão de características neuropáticas.
Entre as desvantagens estão o alto custo de tratamento, dificuldade de encontrar doadores de medula compatíveis, não são eficazes em tecidos como ossos, coração e córnea e, além disso, apresenta um alto nível de mortalidade.
Terapia gênica
A terapia gênica é uma ferramenta promissora para o tratamento de MPS. O vetor, normalmente viral, com o gene responsável pela produção da enzima específica é injetado diretamente no tecido ou por infusão sistémica no indivíduo.
O vetor não se integra significantemente no DNA, porém permanece no núcleo expressando o gene de interesse.
O procedimento pode ser realizado in vivo, inserindo o vetor com o gene de interesse no paciente ou ex vivo, utilizando as células do próprio paciente para inserir o gene por engenharia genética para então inserir novamente.
A terapia gênica vem se mostrando uma ferramenta eficaz em sintomas relacionados ao sistema nervoso central.

Conclusão
Realizar o diagnóstico do tipo de Mucopolissacaridoses, principalmente de forma precoce e realizar os tratamentos de acordo com a necessidade, é fundamental para proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente.
Referências:
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