Neurofibromatose: Genes Associados e Diagnóstico

A neurofibromatose é uma condição genética caracterizada pela presença de tumor em diferentes regiões do sistema nervoso.
neurofibromatose

É fundamental compreender os diferentes tipos de tumores que podem se manifestar de maneira hereditária. Um exemplo notável é observado na neurofibromatose, uma condição genética rara em que os tumores surgem a partir de células do sistema nervoso.

Ficou curioso? Neste artigo, iremos nos apronfundar sobre a neurofibromatose, explorando sua definição, os distintos tipos, os métodos de diagnóstico mais eficazes e as opções de tratamento disponíveis.

O que é a Neurofibromatose?

A neurofibromatose (NF) é uma condição hereditária que produz tumores em tecidos nervosos, como cérebro, medula espinhal e nervos periféricos. Existem três tipos: NF1, NF2 e Schwannomatose (SWN).

O tipo mais comum, responsável por cerca de 96% dos casos, é o NF1, caracterizado por neurofibromas (tumores de nervos periféricos), levando a alterações cutâneas e deformações ósseas.

Já o NF2 e SWN são caracterizados por tumores originários das células de Schwann, e são raros quando comparados ao primeiro tipo da condição. Ocorrem em 3% e <1% dos casos, respectivamente. A NF2 normalmente causa perda auditiva e a SWN causa dor intensa.

Neurofibromatose tipo 1

A NF1, também conhecida como doença de Von Recklinghausen, se manifesta de diversas formas, como:

  • Múltiplas manchas planas e marrom-claras (café com leite) na pele;
  • Sardas nas dobras cutâneas;
  • Neurofibromas visíveis sob a pele;
  • Pequenos nódulos na íris (nódulos de Lisch);
  • Convulsões;
  • Hiperatividade e déficit de atenção;
  • Deficiência intelectual;
  • Escoliose;
  • Pseudoartrose;
  • Macrocefalia. 
neurofibromas neurofibromatose
Exemplo de neurofibroma

A NF1 afeta 1 a cada 3 mil pessoas em todo o mundo. Na metade dos casos, a condição ocorre quando a mutação é herdada via dominância autossômica. Já a outra metade, é gerada por mutações espontâneas, que surgem sem que nenhum dos progenitores apresentem a alteração. 

Pacientes com NF1 têm uma expectativa de vida diminuída em mais de 15 anos quando comparados com a população em geral. Tumores malignos e doenças vasculares (incluindo aneurisma e AVC), são significativamente associados à morte de pacientes com menos de 40 anos.

O gene NF1, responsável pela condição, está localizado no cromossomo 17 e codifica a neurofibromina, uma proteína multifuncional que regula várias vias de sinalização, como:

  • Ras/MAPK2, 
  • Raf/MEK/ERK3, 
  • PI3K/AKT/mTOR4, 
  • Rho/ROCK/LIMK2/cofilin5, 
  • PKA-Ena/VASP6; 
  • cAMP/ PKA7. 

A neurofibromina é produzida nas células nervosas, oligodendrócitos e células de Schwann. Como resultado, a neurofibromina afeta vários processos celulares, incluindo proliferação, migração, diferenciação, dinâmica do citoesqueleto, apoptose e respostas ao estresse. 

Neurofibromatose tipo 2

A NF2 é uma síndrome de herança autossômica dominante que predispõe os indivíduos a múltiplos tumores nervosos, ocorrendo em 1 a cada 25 mil pessoas. A idade média de óbito é aproximadamente 36 anos. 

Os pacientes com NF2 desenvolvem schwannomas, tumores benignos originados nas células de Schwann, dos nervos cranianos, raízes espinhais ou nervos periféricos. 

Além disso, frequentemente desenvolvem múltiplos tumores nas meninges (meningioma), que podem comprimir os tecidos cerebrais e tumores nas células da glia (ependiomas).

Principais sintomas da NF2:

  • Perda auditiva;
  • Problemas de equilíbrio;
  • Perda de massa muscular;
  • Mononeuropatia (lesão em um único nervo periférico);
  • Polineuropatia (disfunção simultânea de vários nervos periféricos por todo o organismo);
  • Deficiência visual;
  • Tumores de pele;
  • Lesões semelhantes a placas, mais pigmentadas do que a pele, com aumento de pelos ao redor;
  • Nódulos subcutâneos;

O gene NF2 no cromossomo 22 codifica a proteína merlin, que regula numerosas vias de sinalização proliferativas. Merlin inibe a sinalização da integrina e do receptor tirosina quinase na membrana. Pode suprimir vias de sinalização downstream, como quinase ativada por:

  • p21, 
  • Ras/Raf/MEK/ERK, 
  • FAK/Src, 
  • PI3K/AKT, 
  • Rac/PAK/JNK, 
  • mTORC1,
  • Wnt/-catenina.

No núcleo, Merlin suprime a E3 ubiquitina Ligase CRL4DCAF1, afetando novamente a produção de integrinas e receptor de tirosina quinase. Merlin também foi identificado como um regulador da sinalização de Hippo, que leva à homeostase tecidual.

Schwannomatose

A SWN é a forma mais rara da neurofibromatose, caracterizada por múltiplos schwannomas vestibulares bilaterais, herdados via dominância autossômica em 15 a 20% dos casos. Sua incidência varia entre 1 a cada 40 mil pessoas, mas, em algumas populações pode ocorrer em 1 a cada 1,7 milhões de pessoas.

Os sintomas de dor crônica, dormência, formigamento e fraqueza se manifestam no início da idade adulta. A dor crônica pode ser localizada ou difusa e muitas vezes não está relacionada com a localização dos schwannomas. 

A expectativa de vida dos pacientes é normal, porém são necessários mais dados para entender o risco de MPNST (schwannomas malignos), e outras malignidades. 

A SWN é causada por mutações nos genes SMARCB1 e LZTR1, que são genes supressores de tumor. Porém, variantes isoladas não são suficientes para desencadear o distúrbio, necessitando de mutações somáticas adicionais, muitas vezes inativadoras do gene NF2. 

Diagnóstico da Neurofibromatose

O diagnóstico de NF1 geralmente é feito na primeira década de vida, baseado em achados clínicos, como as sardas e manchas características na pele, glioma óptico e pseudoartrose. No entanto, cada vez mais testes genéticos estão sendo utilizados ​​para apoiar a avaliação e/ou para fins de planejamento familiar. 

O desenvolvimento de tecnologias NGS permite o diagnóstico rápido de NF1, mas um resultado positivo de mutação para NF1 não necessariamente prevê a gravidade do distúrbio.

Uma abordagem abrangente, através da análise para detectar variantes do número de cópias e sequenciamento de DNA, detecta variantes patogênicas em cerca de ~90% dos casos de NF1. 

A taxa de detecção e especificidade aumentam para ~97% quando o sequenciamento é baseado no RNA do paciente. Porém, apenas variações patogênicas do gene NF1 não são suficientes para o diagnóstico. O sequenciamento NGS e análise de todo o genoma/exoma, assim como avaliações clínicas são necessárias.

Para o diagnóstico da neurofibromatose tipo 2, os seguintes critérios devem ser atendidos:

  • Schwannomas vestibulares bilaterais < 70 anos de idade;
  • Schwannoma vestibular unilateral < 70 anos e parente de primeiro grau com NF2;
  • Quaisquer dois dos seguintes: meningioma, schwannoma (não vestibular), ependimoma, calcificação cerebral, catarata e primeiro grau relativo a NF2 OU schwannoma vestibular unilateral e teste LZTR1 negativo;
  • Mutação do gene NF2 patogênico constitucional ou em mosaico a partir do sangue ou pela identificação de uma mutação idêntica de dois tumores separados no mesmo indivíduo.

Alguns critérios também precisam ser atendidos para o diagnóstico da Schwannomatose:

  • Detecção de mais de 2 schwannomas não intradérmicos, 1 schwannoma confirmado patologicamente e ausência de schwannomas vestibulares bilaterais;
  • Meningioma intracraniano confirmado patologicamente e 1 parente de primeiro grau afetado;
  • Mutação patogênica da linhagem germinativa SMARCB1 ou LZTR1;
  • Mais 2 tumores com perda de perda de heterozigosidade no cromossomo 22 e 2 mutações somáticas NF2 diferentes.

Tratamento da Neurofibromatose

Devido à natureza benigna dos neurofibromas cutâneos, subcutâneos e profundos, a vigilância é frequentemente recomendada. Dependendo do tamanho e localização do tumor, os indivíduos podem necessitar de cirurgia para remover tumores particularmente dolorosos ou desfigurantes. 

Alguns médicos podem utilizar radioterapia, quimioterapia ou tratamentos combinados para tratar malignidades associadas à neurofibromatose. No entanto, os riscos são frequentemente considerados superiores aos benefícios em tais circunstâncias. 

A fisioterapia pode ser benéfica para pessoas que estão enfrentando dificuldades como resultado de tumores ou anormalidades ósseas. Uma variedade de dispositivos ortopédicos pode ajudar certos indivíduos a melhorar sua mobilidade.

O controle do distúrbio requer monitoramento regular. Todos os pacientes devem fazer exames físicos anuais, bem como exames de pressão arterial e exames oftalmológicos regulares.

Dependendo da localização e dos sintomas, imagens avançadas podem ser necessárias para monitorar malignidades internas. Para mulheres com neurofibromatose, o rastreamento anual do câncer de mama deve começar por volta dos 30 anos

Além disso, o aconselhamento genético é recomendado para pessoas com neurofibromatose e suas famílias.

Conclusão

A neurofibromatose é uma condição genética rara que se divide em três tipos: NF1, NF2 e SWN e se manifesta de diversas formas, com características manchas cor de café com leite, sardas em locais inusitados e uma diversa variedade de tumores, benignos ou não, entre outros.

O diagnóstico é feito através de achados clínicos em combinação com testes moleculares, que graças à tecnologia NGS podem ser feitos de forma cada vez mais rápida e precisa com análises do genoma/exoma. 

Além disso, o aconselhamento genético para o paciente e sua família é essencial, para que sejam discutidos os riscos de herança, o leque de opções reprodutivas e a variabilidade dos sintomas. 

Referências

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