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O conhecimento contemporâneo sobre a neurogenética foi e é amplamente substanciado pelo permanente progresso das técnicas de sequenciamento genético. As doenças neurogenéticas podem ser do tipo mendelianas (normalmente associadas a uma ou poucas variantes genéticas) ou multi-fatoriais.
Neste texto abordamos sua definição e destacamos algumas doenças correspondentes a este campo da ciência. Também falamos sobre exames e qual a relação da neurogenética com o Sequenciamento de Nova Geração, confira!
O que é neurogenética?
A neurogenética é o campo da ciência dedicado a estudar os distúrbios relacionados ao desenvolvimento e funcionamento do sistema nervoso central e periférico, bem como de condições neuromusculares, ocasionados por diferentes mutações a nível gênico e cromossômico.
Ao integrar as áreas da genética e da neurologia, médicos neurogeneticistas e pesquisadores podem implementar os avanços das tecnologias de sequenciamento e associá-los ao conhecimento de patofisiologia das doenças, ampliando as estratégias de diagnóstico e tratamento.
Para isso, a democratização do acesso aos testes genéticos para pesquisa e diagnóstico em diferentes populações é de suma importância, pois promove ampliação da capacidade de estudo de indivíduos de diferentes backgrounds populacionais, e nos permite compreender de maneira mais assertiva o significado das variações existentes entre nós.
Espera-se que a medicina se torne gradativamente mais capaz de oferecer tratamentos individualizados para as variadas doenças, incluindo as neurogenéticas, e dessa maneira esta área poderá inserir-se definitivamente no contexto atual de medicina personalizada.
Doenças neurológicas estudadas pela neurogenética
Antes de Gregor Mendel descrever leis de herança, neurologistas como Nikolaus Friedreich já haviam apontado para o padrão de herança de algumas doenças neurológicas.
Apesar disso, foi somente após o desenvolvimento do Sequenciamento de Sanger (na década de 70) que pesquisadores puderam investigar com detalhes aquilo que já havia sido descrito no passado.
Em 1983, a Doença de Huntington (DH) se tornou a primeira doença genética a ser molecularmente mapeada em um cromossomo humano. Similarmente, cientistas identificaram (em 1987) o gene associado à Distrofia Muscular de Duchenne, antes mesmo da descoberta da proteína que era transcrita por esse gene, a distrofina.
Todavia, nem todas as doenças neurológicas podem ser diagnosticadas de maneira tão direta. Isso acontece tanto porque nem todas são condições monogênicas quanto porque dois casos de uma mesma doença podem ser bastante distintos, dada sua natureza complexa.
A neurogenética também dedica-se a estudar doenças raras: aquelas que afetam até 65 em cada 100.000 pessoas, ou seja, 1 em cada 2.000 pessoas. Apesar de terem baixa prevalência, muitas pessoas são afetadas por esse tipo de doença em um nível populacional.
As doenças neurogenéticas podem ser classificadas em subgrupos que incluem, porém não estão restritos a:
- Malformações de sistema nervoso central;
- Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor;
- Epilepsia e convulsões;
- Distúrbios metabólicos;
- Distúrbios neurocutâneos;
- Distúrbios neuromusculares;
- Distúrbios neurodegenerativos;
Iremos abaixo detalhar duas condições clínicas pertencentes ao grupo da neurogenética:

Doença de Parkinson
A Doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela inclusão de Corpos de Lewy no cérebro e pela degradação dos neurônios presentes na substantia nigra (degradação dopaminérgica). Estima-se que sua prevalência global será de aproximadamente 13 milhões de pessoas em 2040.
Os Corpos de Lewy são agregados peptídicos, compostos principalmente por proteínas como a Alfa-sinucleína (encodada pelo gene SNCA) e a Ubiquitina (regulada por genes como PINK1 e FBX07). Algumas das funções associadas a estas proteínas são:
- Controle da qualidade mitocondrial;
- Autofagia;
- Controle do tráfego na membrana celular;
- Funções sinápticas;
- Liberação de vesículas pelo aparato de Golgi.
A contribuição da genética para o desenvolvimento da Doença de Parkinson compreende variantes genéticas de alta penetrância e variantes que, individualmente, elevam significativamente menos o risco para a doença durante a vida.
De modo geral, o risco genético para a Doença de Parkinson é dividido em duas categorias de variantes genéticas:
- Variantes raras: possuem elevado tamanho de efeito e são geralmente associados com as formas monogênicas ou familiares da Doença de Parkinson;
- Variantes mais comuns, com tamanho de efeito menor, normalmente identificadas na forma esporádica da doença.
Além dos genes anteriormente citados, uma recente revisão de literatura publicada na revista The Lancet traz também os seguintes genes como implicados nas múltiplas formas da Doença de Parkinson:
- PRKN;
- PARK7;
- LRRK2;
- ATP13A2;
- GBA;
- PLA2G6;
- VPS35.
Doença de Alzheimer
A Doença de Alzheimer (DA) também é uma doença neurodegenerativa, sendo considerada a forma mais comum de demência pela OMS. Esta doença afeta cerca de 55 milhões de pessoas no mundo e estima-se que, até 2050, 139 milhões de pessoas conviverão com ela.
As principais características dessa condição incluem a perda de neurônios nas regiões corticais e subcorticais do cérebro. Além disso, a presença de placas beta-amilóide e de emaranhados neurofibrilares também é comum, embora nenhuma dessas características descreva a etiologia da doença.
Dessa forma, a DA é uma doença idiopática; isto é, cuja causa ainda não é conhecida. Apesar disso, pesquisadores da área da neurogenética dedicam-se a identificar e associar genes com as diferentes formas da condição.
De modo geral, a Doença de Alzheimer não é uma condição herdada de maneira autossômica dominante (ainda que estes casos existam). Apesar disso, pesquisadores estimam que a herdabilidade de variantes genéticas fortemente correlacionadas com o Alzheimer é de 90% nos casos precoces de DA e de 58-79% dos casos de início tardio.
Alguns dos genes cujas mutações podem ser fatores de risco para Doença de Alzheimer são:
- APOE;
- APP;
- PSEN-1;
- PSEN-2.
Principais exames da neurogenética
Os exames utilizados para a investigação etiológica de doenças neurogenéticas dependem do contexto clínico do paciente.
Podem ser necessários exames como a ressonância nuclear magnética, eletroencefalograma, eletroneuromiografia, biópsia muscular e exames laboratoriais, como por exemplo dosagem de CPK, alfafetoproteína, triagem metabólica por TANDEM, entre outros.
Em adição à investigação tradicional, a testagem genética pode confirmar a suspeita diagnóstica, e essa estratégia também varia de acordo com a hipótese diagnóstica.
Exames podem incluir sequenciamento por NGS (gene único, painel genético, WES, WGS), pesquisa por PCR, como no caso das doenças associadas a mutações dinâmicas ou outras mais específicas, como por exemplo no estudo da metilação para doenças de imprinting genômico.
O papel do NGS na neurogenética
Com o advento do Sequenciamento de Nova Geração, uma gama de novas doenças pôde ser descoberta.
Esta é uma realidade muito distante daquela encontrada por cientistas de 50 anos atrás que, embora entendessem a relevância da herdabilidade para doenças neurológicas, não possuíam as ferramentas necessárias para uma investigação precisa.
Atualmente, a maioria dos laboratórios empregam essa metodologia para a realização de painéis, exoma ou genoma completo. Desse modo, esta metodologia de sequenciamento genético auxilia médicos e pesquisadores a conciliarem a neurogenética com a medicina personalizada.
Conclusão
A neurogenética une conhecimentos da genética com a neurologia a fim de compreender melhor o comportamento de suas patologias associadas, desde condições raras até aquelas de maior prevalência, como é o caso da Doença de Alzheimer e da Doença de Parkinson.
O Sequenciamento de Nova Geração viabilizou o estudo mais rápido e preciso do nosso DNA, contribuindo tanto para o diagnóstico na prática clínica quanto para a pesquisa. Dessa forma, pavimenta o caminho para diagnósticos mais precisos, tratamentos individualizados e melhores estratégias de prevenção para cada caso.
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