Nutrigenômica: você é o que você come!

Como a nutrigenômica tem auxiliado na compreensão da relação entre o nosso código genético, a alimentação, o meio ambiente, saúde e doenças
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Para a nutrigenômica, os esforços para compreender a etiologia das doenças humanas muitas vezes voltam a um antigo debate, sobre natureza versus nutrição (nature versus nurture). Hoje sabemos que nem a natureza e nem a nutrição por si só podem explicar os processos moleculares que governam a saúde humana, e que a manifestação de uma determinada doença depende de uma relação complexa entre o genoma humano, e fatores comportamentais e do meio ambiente.

O entendimento dessa fina relação tem auxiliado no desenvolvimento de diversas abordagens multidisciplinares baseadas em genes para o estudo da saúde e de doenças, e uma dessas abordagens é a nutrigenômica.

A nutrigenômica é basicamente a integração da genômica com a nutrição, e quando possível, com variáveis do estilo de vida, e refere-se ao estudo do efeito dos nutrientes na expressão genética de um indivíduo. Mas recentemente, essa definição foi ampliada, e engloba também fatores nutricionais que protegem o genoma de danos, bem como o impacto de fatores nutricionais no genoma, proteoma e metaboloma.

Apesar dos genes serem fundamentais para determinação de diversas funções, a forma como nos nutrimos é capaz de modificar a forma como cada gene é expresso, e então modular se os indivíduos atingem o potencial estabelecido por sua base genética. Hoje sabemos que apenas uma parcela da população responderá positivamente a uma intervenção nutricional específica, enquanto outros serão irresponsíveis.

Micronutrientes, macronutrientes e polimorfismos

Após a conclusão do projeto genoma humano, foram descritas informações importantes sobre a influência dos nutrientes na dieta das pessoas, e entender essa interação entre gene e nutrientes pode ser extremamente importante para prescrição de dietas específicas para cada indivíduo. O projeto genoma humano demonstrou que os humanos têm 99% de identidade entre os seus genomas, e esse 0,1% das sequências genômicas que diferem é responsável por diversas variabilidades como peso, altura, cor dos olhos e cabelos, entre outros, assim como também é responsável por determinar as necessidades nutricionais individuais.

A nutrigenômica tem então buscado elucidar como alguns componentes de dietas específicas podem afetar a expressão gênica, e inúmeros estudos envolvendo humanos, animais e cultura celulares, tem demonstrado que macronutrientes, micronutrientes e químicos biorreativos naturais são capazes de regular a expressão gênica de muitas formas. Diversos micronutrientes e biorreativos químicos dos alimentos estão diretamente envolvidos em reações metabólicas de inúmeros processos importantes, o tempo todo. Alguns compostos bioquímicos dos alimentos são, inclusive, fatores de ligação e, portanto, diretamente capazes de alterar a expressão gênica. Outros, ainda, são capazes de alterar vias de sinalização e a estrutura da cromatina, afetando a expressão gênica de maneira indireta.

O campo da nutrigenômica não poderia ter sido desenvolvido sem o avanço das abordagens ômicas de alto rendimento (genômica, transcriptomica, proteômica e metabolômica), que permitiram a identificação e mensuração de diversas moléculas de diferentes tipos ao mesmo tempo. Dessa forma, muito do foco da nutrigenômica tem sido os polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), que são um dos responsáveis por alterar a função de genes envolvidos com a manutenção básica da célula, e assumidamente alteram o risco do desenvolvimento de doenças. Fatores relacionados à alimentação podem alterar diferentemente o efeito de um ou mais SNP aumentando ou diminuindo o risco de doenças.

Nutrigenômica e saúde

A integridade e estabilidade física do genoma podem ser determinados pelo suprimento de nutrientes específicos, tendo sido demonstrado que a instabilidade genômica muitas vezes pode ser um marcador sensível de deficiência nutricional. Isso é particularmente interessante, uma vez que a instabilidade genômica é muitas vezes a causa principal de infertilidade, doenças do desenvolvimento, câncer, e doenças neurodegenerativas.

O folato é um exemplo importante e muito citado como sendo fundamental para a estabilidade genômica. Além do folato, outros nutrientes também foram descritos como importantes para integridade genômica: vitamina B12, vitamina B3-niacina, vitamina E, retinol e cálcio. Todos esses nutrientes estão relacionados com a redução de danos ao DNA, enquanto a riboflavina, o ácido pantotênico e a biotina, por exemplo, estão associados ao aumento de danos ao DNA.

O nosso DNA sofre milhares de alterações todos os dias, e se não forem eficientemente reparados, o genoma pode se destruir rapidamente. A dieta e o estilo de vida são fatores fundamentais para equilibrar essa equação, no entanto, a definição das concentrações ideais e micronutrientes necessárias para manter as células genomicamente estáveis ainda é um dos principais desafios para os pesquisadores.

A promessa de estratégias de reparo de DNA moduladas através da nutrição tem chamado atenção, especialmente, de pesquisas relacionadas ao câncer, já que foi demonstrado inclusive que a dieta pode ser capaz de estabilizar o genoma mesmo após a ocorrência de alterações genéticas. Esse campo ainda é novo, precisa ser amplamente desbravado, mas é muito promissor.

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Nutrigenômica e doenças crônicas

Obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares tem sido descritas por médicos antropologistas como “doenças da civilização”, e o motivo é simples: quando as populações aborígenes passaram a adotar uma dieta com maior ingestão e açúcar e gorduras, a obesidade e diabetes instantaneamente passaram a se manifestar naquelas populações.

Durante o curso da evolução humana, a dieta tem moldado profundamente as capacidades metabólicas humanas, dando início ao surgimento de doenças modernas. De uma perspectiva evolutiva, a dieta é um fator limitante que impões pressão seletiva em uma determinada população, tanto quanto outros fatores ambientais. É interessante observar que genótipos de determinadas populações estão associados com necessidades nutricionais maiores, e quando essas necessidades não são supridas, esses genótipos em particular sofrerão algum tipo de seleção.

Estudos recentes demonstraram que 80% das diferenças nos índices de massa corporal de gêmeos, por exemplo, estão relacionadas a fatores genéticos. É interessante pensar que, entendendo melhor essa relação, podemos compreender e abordar doenças como a obesidade, que por sua vez, está relacionada com diversas doenças crônicas como a diabetes e doenças cardiovasculares. A obesidade, ainda, desencadeia também um processo inflamatório crônico, e nesse cenário, a síntese de mediadores de inflamação tem um papel fundamental – e é aí que entra a nutrigenômica, como possível mecanismo de modulação desse processo inflamatório.

Alterações no genoma pode levar ao desenvolvimento de doenças como o câncer. Nesse tema, é interessante ressaltar por exemplo que a deficiência de alguns nutrientes como vitamina B12 e B6, levam a alterações no DNA semelhantes às visualizadas quando o DNA é exposto a radiação. Além desses nutrientes, alguns outros têm sido estudados e relacionados com a predisposição ao desenvolvimento de câncer, ou como protetores contra a instabilidade genômica que poderia levar ao desenvolvimento tumoral.

Perspectivas futuras

A nutrigenômica tem mostrado uma nova forma de relacionar a nutrição com a informação genética, e como a interação entre ambas é capaz de sinalizar o impacto do que nos alimentamos sobre o nosso organismo.

“As interações entre genes e dieta são altamente complexas e difíceis de predizer, demonstrando então a necessidade de genótipos altamente controlados e condições ambientais que permitam a identificação de diferentes padrões regulatórios baseados na dieta e no genótipo. Os desafios enfrentados hoje podem necessitar o desenvolvimento de um projeto nutrigenômico na escola do Projeto Genoma Humano, para então identificar genes que causam ou predispõe doenças crônicas e nutrientes que regulam ou influenciam a atividade desses genes. ” – Jim Kaput, FDA National Center for Toxicological Research

A frase “você é o que você come” nunca fez tanto sentido, e pensar em como nossa dieta é capaz de interferir na nossa genômica e, consequentemente no nosso fenótipo, hoje é uma realidade. A nutrigenômica pode mudar a longo prazo nossa definição de saúde e doença, e levar a um novo patamar relacionado com a qualidade de vida e compreensão do impacto do nosso comportamento alimentar sobre a nossa saúde e a nossa longevidade.

Referências

  • Fujii TMM, Medeiros R, yamada R. Nutrigenomics and nutrigenetics: important concepts for the science of nutrition. Nutrire: Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition. 2010;35(1):149–166.
  • Sales NM, Pelegrini PB, Goersch MC. Nutrigenomics: definitions and advances of this new science. J Nutr Metab. 202759. 2014
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