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A abordagem genômica tem sido cada vez mais utilizada para auxiliar no manejo clínico de diversas doenças.
O conhecimento do nosso código genético, possível após a conclusão do Projeto Genoma Humano, ampliou drasticamente o conhecimento das bases moleculares de doenças, e dos fatores hereditários envolvidos nos mecanismos de desenvolvimento dessas doenças.
O câncer, por exemplo, é sabidamente relacionado a diversos fatores de risco hereditários, e a identificação da predisposição genética através do painel NGS multicâncer (Next Generation Sequencing) pode ter implicações extremamente importantes para decisões de tratamento, para intervenções que ajudem a diminuir o risco de desenvolvimento da doença, na triagem da doença e na testagem germinativa para pacientes afetados e seus familiares.
O NGS, de fato, revolucionou o nosso entendimento sobre o câncer. Diversos tipos de tumores passaram a ser subclassificados de acordo com suas características moleculares, e enquanto metodologias como o sequenciamento do exoma ou do genoma completo permanecem proibitivamente caros, a utilização do painel NGS com genes alvo específicos tem aumentando muito devido à aplicabilidade precisa e possível.
Estudos ao longo dos últimos anos têm demonstrado a prevalência da susceptibilidade germinativa ao câncer em diversos pacientes com câncer de mama, próstata e colorretal, por exemplo.
No entanto, muitas dessas estimativas tiveram origem a partir de registros populacionais, companhias de testagem genética, e clínicas de tratamento de câncer de alto risco, resultando assim em um viés de análise.
Entenda mais sobre NGS no texto: NGS: O que é Sequenciamento de Nova Geração?
Aspectos principais das diretrizes de investigação genética
As diretrizes de análise que determinam o encaminhamento dos pacientes para testagem genética baseiam-se nas características patológicas do câncer, na idade ao diagnóstico, no histórico familial, e alguns outros fatores.
Poucos estudos têm comparado a prevalência dos achados germinativos em pacientes com câncer e que não seriam selecionados normalmente por essas diretrizes, e então, o impacto da pesquisa de variantes germinativas em pacientes com câncer ainda permanece incerto.
Existem diretrizes estabelecidas pela ACMG (Amerian College of Medical Genomics), por exemplo, para 28 das síndromes mais comuns de susceptibilidade ao câncer hereditário.
Essas diretrizes buscam auxiliar os médicos para determinar um encaminhamento aos pacientes com câncer, abrangendo o diagnóstico clínico, molecular, e o tratamento adequado.
Os serviços de aconselhamento genético abordam a avaliação da história familial do paciente para buscar informações em relação à possíveis síndromes de predisposição ao câncer hereditário, para o desenvolvimento de um diagnóstico diferencial, recomendações de manejo clínico, prevenção, acompanhamento e, quando aplicável, para avaliação genética por metodologias como o painel NGS.
As diretrizes da ACMG são bem detalhadas quanto às características necessárias para encaminhamento de um paciente ao aconselhamento genético. No caso de câncer de mama, por exemplo, a paciente deve preencher os seguintes quesitos:
- Câncer de mama diagnosticado com idade menor que 50 anos
- Câncer de mama triplo-negativo com idade menor que 60 anos
- Mais de 2 tumores primários de mama na mesma paciente
- Ancestralidade judaica Ashkenazi com câncer de mama em qualquer idade
- Mais de 3 casos de câncer de mama, ovário, pâncreas e/ou próstata em parentes próximos, incluindo o paciente
- Câncer de mama e um tumor adicional relacionado à Síndrome de Li-Fraumeni no mesmo individuo, ou em dois parentes, com pelo menos um com idade ao diagnóstico menor que 45 anos
- Câncer de mama e pelo menos um pólipo relacionado à Síndrome de Peutz-Jeghers na mesma pessoa
- Câncer de mama lobular e câncer gástrico difuso na mesma pessoa
- Câncer de mama lobular em um parente e câncer gástrico difuso em outro parente, pelo menos um com idade ao diagnóstico menor que 50 anos
- Câncer de mama e dois critérios adicionais relacionados a síndrome de Cowden na mesma pessoa
A ACMG determina diretrizes para diversos outros tipos de câncer e de síndromes hereditárias de predisposição ao câncer. Ainda, existem outras diretrizes publicadas como a NCCN (National Comprehensive Cancer Network) e NSCG (National Society of Genetic Conselors) que auxiliam no direcionamento clínico de pacientes com câncer.


E quanto aos pacientes que não se encaixam nessas diretrizes?
Nem todos os pacientes com câncer preencherão os critérios para serem enquadrados nas diretrizes que determinam o aconselhamento genético, e de fato, poucos estudos tem comparado a prevalência de achados genéticos germinativos em pacientes com câncer que não foram selecionados pelas diretrizes para o aconselhamento genético.
Em um estudo publicado em há poucas semanas no periódico JAMA Oncology, pesquisadores conduziram testes genéticos em mais de 3,000 pacientes diagnosticados com câncer.
A cada 8 pacientes avaliados, foi detectado 1 paciente com uma mutação herdada em um gene relacionado ao câncer, e o mais interessante é que essas mutações não teriam sido detectadas em pelo menos metade dos pacientes avaliados utilizando apenas a abordagem de classificação padrão das diretrizes da ACMG, por exemplo.
Nesse estudo, 47,4% dos pacientes apresentavam alguma VUS, e 13,3% apresentavam alguma variante germinativa patogênica. Dos pacientes que apresentavam variantes germinativas patogênicas, 48,4% destes não teriam sido diagnosticados se fossem seguidas as diretrizes baseadas no fenótipo e/ou na história familial.
Ainda, considerando os 59 genes acionáveis descritos pela ACMG, 223 pacientes não teriam variantes germinativas patogênicas descritas. De todo o estudo, 30% dos pacientes com variantes germinativas patogênicas tiveram alterações no seu tratamento baseadas nos achados moleculares.
Esses números significantes levantam uma questão importante: A triagem genética de pacientes com câncer não está sendo restritiva demais, e está deixando de diagnosticar eventos moleculares importantes que teriam impacto tanto para o tratamento do paciente, quanto para o aconselhamento de seus familiares?
O painel NGS como abordagem diagnóstica fundamental
A identificação de mutações genéticas em pacientes com câncer pode mudar o rumo da abordagem terapêutica, do aconselhamento genético familial, e da prevenção e detecção precoce do câncer.
Os testes genéticos, especificamente o painel NGS, é subutilizado em pacientes com câncer e seus familiares, especialmente devido às diretrizes que acabam por direcionar os testes genéticos para um grupo específico de pacientes considerados alto-risco.
Recentemente, tem sido proposto que todos os pacientes com câncer tenham acesso à testes genéticos.
Essa abordagem mais ampla, especialmente utilizando a metodologia de painel NGS, permite o acesso a informação genética como um todo, direcionando o tratamento e a informação aos familiares, uma vez que tão importante quanto o diagnóstico do paciente, é o manejo clínico dos seus familiares.
O sequenciamento genético através de um painel NGS, da análise de deleções e/ou duplicações, e a interpretação de variantes detectadas, é uma maneira possível de direcionar precisamente a conduta clínica de pacientes com câncer.
Essa ampla abordagem oferece benefícios que vão além das diretrizes publicadas até o momento.
O que esperar para os próximos anos?
Hoje já existe uma busca importante pelo aconselhamento genético de pacientes com câncer, e do direcionamento desses pacientes para testes genéticos.
Conforme temos observado, a tendência é que cada vez mais haja uma diminuição no custo das tecnologias de sequenciamento de DNA, e essa tendência tornará possível o acesso ao painel NGS para praticamente todos os pacientes com câncer.
Pensando que, segundo levantado por alguns estudos, quase metade dos pacientes com variantes genéticas importantes não são devidamente diagnosticados, deve haver um grande esforço multiprofissional nos próximos anos para que essa porcentagem diminuía cada vez mais, e então, pacientes com câncer e seus familiares serão devidamente aconselhados e tratados.
Uma vez estabelecida essa ampla abordagem, que vai além das diretrizes propostas até o momento, observaremos um impacto muito importante na prevenção e no tratamento do câncer.
O painel NGS direcionado para pacientes com câncer já tem mostrado avanços importantes no manejo clínico de diversas neoplasias.
A medicina personalizada é uma realidade cada vez mais acessível, e que trará cada vez mais benefícios aos pacientes, aos sistemas de saúde e à sociedade como um todo.
Referências:
- Hampel H, Bennett RL, Buchanan A, Pearlman R, Wiesner GL; Guideline Development Group, American College of Medical Genetics and Genomics Professional Practice and Guidelines Committee and National Society of Genetic Counselors Practice Guidelines Committee. A practice guideline from the American College of Medical Genetics and Genomics and the National Society of Genetic Counselors: referral indications for cancer predisposition assessment. Genet Med. 17(1):70-87. 2015
- Samadder NJ, Riegert-Johnson D, Boardman L, et al. Comparison of Universal Genetic Testing vs Guideline-Directed Targeted Testing for Patients With Hereditary Cancer Syndrome. JAMA Oncol. Published online October 30, 2020.