Farmacogenética: resposta dos genes a medicamentos

A farmacogenética é o estudo de como o perfil genético de um indivíduo afeta a resposta ao metabolismo de medicamentos. Entenda melhor:
Farmacogenética

Embora o genoma de humanos se assemelhe em 99% de sua totalidade, cerca de 1% é variável e nos torna seres únicos. Esta variabilidade pode implicar, por exemplo, em como nosso metabolismo funciona na presença de certos medicamentos.

Quer entender mais sobre como o estudo das diferenças entre indivíduos pode afetar a resposta a fármacos é conhecido como farmacogenética? Acompanhe!

O que é farmacogenética?

Uma das principais conquistas do Projeto Genoma Humano foi determinar a diversidade de DNA existente entre diferentes indivíduos. Entre as principais características que nos diferem está a capacidade do corpo metabolizar certos fármacos.

Atualmente, a grande maioria dos medicamentos e suas recomendações de dose abrangem todos os indivíduos igualmente. No entanto, nem sempre um mesmo medicamento é capaz de funcionar da mesma forma para todos.

A variabilidade entre os indivíduos em relação à resposta à medicamentos leva ao desafio de prever o grau de eficácia de um medicamento para um paciente específico

Neste sentido, foi desenvolvido um estudo que visa entender melhor a interação entre o material genético, o metabolismo e a prescrição mais eficaz para um determinado indivíduo, baseada em seu perfil genético. Este estudo é conhecido como farmacogenética ou farmacogenômica.

Em definição, a farmacogenética é o estudo de como os genes afetam uma resposta medicamentosa. Este campo do conhecimento é a combinação entre a farmacologia (ramo da ciência que estuda os efeitos de uma substância química sobre a função dos sistemas biológicos) e a genômica (o ramo da ciência que lida com o estudo de genes).

A história da farmacogenética é datada de cerca de 500 anos a.C, quando Pitágoras observou que, para certas pessoas, ingerir fava era fatal, enquanto para outras não. Mais tarde, essa letalidade foi associada a uma mutação no gene da gligose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), que provoca hemólise em resposta a certos medicamentos, infecções e ingestão de fava.

Hoje, com os recursos disponíveis e após o Projeto Genoma Humano, cerca de 21 mil genes já foram identificados e os constantes avanços da ciência permitem entender cada vez mais o papel destes genes no nosso sistema.

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Reações adversas e variantes genéticas

Quando medicamentos entram no nosso corpo, eles são metabolizados e modificados estruturalmente por enzimas que ativam ou desativam o fármaco. Portanto, mutações nestes genes de enzimas metabolizadoras, transportadores ou receptores podem afetar a resposta à terapia medicamentosa, causando o que chamamos de reações adversas.

Reações adversas são eventos clínicos inesperados causados pela ingestão de medicamentos em doses recomendada e de acordo com a condição clínica do paciente. Ou seja, é uma reação indesejável ao administrar um medicamento teoricamente adequado às condições. As reações podem gerar danos graves à saúde, levando muitas vezes a morte do paciente.

Nos Estados Unidos, cerca de 5% das internações e 100 mil mortes anuais tem como causa reações adversas a medicamentos. Neste cenário, variantes genéticas representam uma causa importante de reação adversa a medicamento.

O principal fator da variabilidade genética entre indivíduos são os SNPs, polimorfismos de nucleotídeo único, que compreendem a troca de um par de nucleotídeos por outro na cadeia de DNA.

Quando o SNP acontece em uma região gênica, a troca de um nucleotídeo pode causar uma disfunção do gene e, consequentemente, o aminoácido não ser codificado ou gerar uma alteração na proteína produzida.

Outro fator importante de variabilidade genética são as CNVs, ou Variações no Número de Cópias. Estas mutações podem levar a perda ou ganho de segmentos genômicos e surgem a partir de variações estruturais podendo ser deleções, duplicações, inserções ou translocações e inversões de sequencias de DNA.

Neste contexto, CNVs podem gerar mais uma cópia de um gene ou abranger elementos funcionais desses genes, responsáveis por algum fenótipo específico. No caso da farmacogenética, mais copias de um determinado gene podem tornar mais rápido o metabolismo de um medicamento.

Enzimas do CYP450

Entre os principais genes estudados na farmacogenética, o grupo de genes que codificam enzimas do citocromo P-450 se destacam. A grande maioria dos medicamentos disponíveis são metabolizadas por uma combinação de enzimas do Citocromo P-450 e enzimas do metabolismo de fase II, como A tiopurina metiltransferase (TPMT) e Glucuronosiltransferase (UGT).

As enzimas do citocromo P-450 são codificadas pelos genes da família CYP450, que são altamente polimórficos. Ou seja, que apresentam grande variabilidade entre indivíduos e, portanto, em como os medicamentos são metabolizados.

Quais são os perfis de metabolização analisados na farmacogenética?

  • Metabolizadores Lentos: Indivíduos que possuem dois alelos, não funcionais, resultando na deficiência da enzima e consequente acúmulo do medicamento no organismo. Essa deficiência aumenta a toxicidade do medicamento mesmo em doses baixas, justamente pela dificuldade do organismo em metabolizá-lo;
  • Metabolizadores Intermediários: Indivíduos que possuem alelos que metabolizam os medicamentos mais lentamente que a média (normais). Neste caso, embora doses médias sejam capazes de ter seu efeito terapêutico, o medicamento pode ser eliminado mais lentamente, causando acúmulo e consequentes efeitos tóxicos;
  • Metabolizadores Normais/Extensivos: Indivíduos que possuem dois alelos funcionais, portanto metabolizam normalmente os medicamentos sem reações adversas causadas por origem genética;
  • Metabolizadores Ultra-Rápidos: Indivíduos com duplicação de alelos funcionais, ou seja, mais cópias do gene, o que causa um aumento da velocidade de metabolização. Neste caso, o medicamento é metabolizado em uma velocidade acima do esperado, portanto não resulta no seu efeito terapêutico.
Farmacogenética metabolizadores
Gráfico de como diferentes metabolizadores respondem a um mesmo medicamento. Gráfico adaptado de Roden, et al. 2019. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)31276-0

Exemplos da farmacogenética

Um exemplo de caso é o polimorfismo do gene CYP2D6, que codifica uma enzima que metaboliza a codeína, um analgésico para dor intensa como a do pós-parto. Em indivíduos metabolizadores ultra-rápidos, muita codeína é convertida em morfina. Em mães lactantes, a morfina em alta dose pode ser transferida para os filhos através do leite e gerar a morte do recém-nascido.

Outro exemplo é a mutação no gene CYP2C19, que codifica a enzima que metaboliza o pró-fármaco clopidogrel, que tem a função de evitar a agregação plaquetária. Metabolizadores lentos não são capazes de ativar o medicamento, não sendo eficiente para prevenir acidentes vasculares cerebrais, por exemplo.

Cada vez mais genes são associados ao metabolismo de fármacos, no entanto, na maioria das vezes é difícil predizer a resposta do paciente a medicamentos, já que grande parte deles possui uma rota metabólica complexa. Além disso, outros fatores podem interferir no metabolismo de um medicamento como idade, tabagismo, sexo, dieta, comorbidades, assim como a interação com outros medicamentos.

Farmacogenética e a medicina de precisão

A farmacogenética é uma ferramenta para a medicina de precisão. A medicina de precisão é um modelo de atendimento médico que tem o objetivo de personalizar o atendimento, decisões médicas, terapias medicamentosas e exames adaptados ao paciente.

Através do sequenciamento genético do paciente, a medicina de precisão é capaz de diagnosticar mais assertivamente o caminho necessário para tratar o paciente de força eficaz. Além do perfil genético de genes do metabolismo de medicamentos, a medicina de precisão também leva em conta o estilo de vida, fatores epigenéticos e outros aspectos.

A farmacogenética na medicina de precisão vem sendo utilizada, por exemplo, no tratamento de pacientes com depressão. A maioria dos antidepressivos é metabolizada por enzimas dos genes CYP2D6, CYP2C19 e CYP3A4.

Indivíduos que possuem variantes que os tornam metabolizadores lentos para os medicamentos antidepressivos. Portanto a medicina de precisão pode ser utilizada nesse caso para definir os melhores medicamentos e doses para um tratamento eficaz.

Medicina de precisão farmacogenética
Pessoas com diferentes perfis genéticos respondem melhor a diferentes doses ou medicamentos alternativos

O futuro da farmacogenética

A farmacogenética é uma tecnologia de ponta promissora da medicina de precisão, que está em constante construção. Além disso, tecnologias como o Sequenciamento de Nova Geração reduzem significantemente o valor para realizar exames de DNA em busca de variantes, o que aumenta sua acessibilidade para o público em geral. Com isso, o futuro da medicina de precisão se aproxima cada vez mais do usuário final.

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