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Os genes de resistência a antimicrobianos apresentam grandes desafios para nossa saúde e para o futuro. Entenda o que eles são e como o Sequenciamento de Nova Geração pode nos ajudar a resolver esses desafios!
O que são genes de resistência?
No contexto da bacteriologia, genes de resistência são aqueles adquiridos por bactérias e utilizados para sua própria sobrevivência quando um antibiótico é introduzido ao meio. Essa habilidade de sobrevivência é chamada de resistência a medicamentos.
É a pressão ambiental que impulsiona o surgimento e a disseminação de mecanismos de resistência. Isso resulta na seleção de organismos mais aptos à sobrevivência, que nesse caso são justamente aqueles capazes de escaparem ao tratamento medicamentoso.
Embora genes de resistência possam existir na natureza sem a pressão exercida por medicamentos, as principais causas da seleção estão relacionados com a falta do Uso Racional de Medicamentos.
A falta do Uso Racional de Medicamentos é referente às seguintes situações:
• Automedicação
• Tratamentos medicamentosos não finalizados
• Seleção inadequada do medicamento
• Descarte de medicamentos em locais impróprios
• Uso descontrolado na pecuária e na agricultura
Os mecanismos de resistência a antimicrobianos gerados por estes genes são bastante diversos e engenhosos. Veja abaixo algumas das estratégias adotadas pelas bactérias para se tornarem resistentes aos antibióticos e alguns dos genes envolvidos.


Quais os riscos envolvidos com genes de resistência a antibióticos?
A descoberta dos antibióticos, iniciada por Alexander Fleming, revolucionou a maneira com que infecções bacterianas são tratadas, gerando um declínio na morbimortalidade em todo o mundo.
Atualmente, além das penicilinas (ꞵ-lactâmico) descobertas por Fleming, várias outras classes de antibióticos existem para o uso clínico:
- Aminoglicosídeos
- Carbapenems (ꞵ-lactâmico)
- Cefalosporinas (ꞵ-lactâmico)
- Quinolonas
- Glicopeptídeos
- Macrolídeos
- Monobactams (ꞵ-lactâmico)
- Oxazolidinonas
- Polipeptídeos
- Rifamicinas
- Sulfonamidas
- Estreptograminas
- Tetraciclinas
Além disso, alguns outros medicamentos, como o cloranfenicol e a clindamicina, não se encaixam em nenhuma dessas categorias.
O mecanismo de ação dessa grande gama de antibióticos é bastante diverso e inclui, por exemplo, danos à parede celular, interferência na síntese de proteínas e no metabolismo energético.
Devido a essa extensa quantidade de antibióticos e mecanismos de ação, à época em que tais medicamentos foram introduzidos no mercado, os cientistas não acreditavam que a resistência a antibióticos se tornariam um problema de relevância clínica, ainda que eles já fossem conhecidos.
Entretanto, o tempo provou o contrário, uma vez que hoje são conhecidos genes de resistência contra todas as classes de antibióticos existentes. Além disso, algumas bactérias podem ser resistentes a mais de um antibiótico (multirresistentes) ou mesmo a todas as classes de antibióticos (pan–resistentes).
Isso significa que, mesmo os medicamentos de última linha, como a colistina e o cloranfenicol, podem não ser eficazes no tratamento de uma infecção causada por uma bactéria multi ou pan-resistente.
Todos esses fatores constroem um cenário global de grande preocupação. Uma recente análise sistemática, publicada na The Lancet, indica que, em algumas regiões do mundo, mais de 70% do total de isolados clínicos são de bactérias com genes de resistência. No Brasil esse valor fica em torno de 30% a 40% dos isolados.
Além disso, é estimado que em 2019, cerca de 5 milhões de mortes tenham ocorrido por doenças em que a resistência a antibióticos teve algum papel. Desses cinco milhões, aproximadamente 1,27 milhões de pessoas morreram como resultado direto de infecções resistentes a antibióticos.
Na prática, isso se traduz em mais mortes do que aquelas produzidas pela malária ou mesmo pelo HIV, que levaram 643.000 e 864.000 vidas naquele mesmo ano, respectivamente.
Por fim, dados apontam que, nas condições atuais, a resistência aos antimicrobianos pode matar dez milhões de pessoas por ano em 2050, ao passo que um gasto de 100 milhões de dólares pode ser feito até lá para manejar a situação.
Sendo assim, a investigação e o controle da disseminação de genes de resistência em bactérias é uma preocupação para a saúde pública em nível global e que requer esforços coletivos e a coordenação entre pesquisadores, profissionais da saúde e pacientes.
Como surgem e como são transmitidos os genes de resistência?
É na variação genética de bactérias onde se encontra a explicação para o surgimento inicial de tantos genes de resistência.
Em seres procariontes, as variações genéticas ocorrem majoritariamente por recombinações transmitidas de uma célula mãe para seus descendentes, por transferência vertical (salvo no caso dos plasmídeos).
Entretanto, esse processo não explica a velocidade e o grau com que a disseminação dos genes de resistência ocorre. Para tal, precisamos falar sobre elementos genéticos móveis em bactérias, que se apresentam sob três formas:
- Plasmídeos, que são pequenos fragmentos de DNA circular em uma posição extra-cromossômica
- Transposons, também chamados de genes saltadores, são sequências de material genético capazes de modificar sua posição dentro de um cromossomo, sendo responsáveis por criar, reverter e modificar mutações.
- Integrons, compostos por um ou mais cassetes, que são genes acoplados a sítios de recombinação.


Cada um desses elementos genéticos móveis podem ser transmitidos entre bactérias de uma mesma geração, em um processo chamado transferência horizontal de genes. Essa transferência ocorre majoritariamente a partir de três processos:
- Conjugação, na qual duas bactérias entram em contato direto através de suas pilli (estruturas presentes na superfície celular destes seres) para transferir genes presentes em plasmídeos ou em transposons.
- Transformação, que permite que bactérias competentes incorporem plasmídeos presentes no meio externo, provenientes de células mortas.
- Transdução, mediada por bacteriófagos, que são vírus capazes de infectar bactérias. Quando tais vírus se replicam, eles acabam incorporando parte do DNA bacteriano em seu capsídeo. Em seguida, os fagos podem injetar tais sequências de DNA em uma segunda bactéria, capaz de adquirir ou degradar tal material genético.


Dessa forma, os mecanismos de transferência horizontal de genes e os elementos móveis constituem uma fonte de interesse epidemiológico quando o assunto é resistência a antibióticos.
NGS na identificação de genes de resistência a antibióticos
A resistência a antibióticos foi inicialmente estabelecida através de testes de susceptibilidade antimicrobiana, nos quais um isolado é cultivado em um meio onde um determinado antibiótico esteja presente.
Embora estes ensaios ainda sejam executados em laboratórios de microbiologia e até mesmo existam equipamentos capazes de realizar o cultivo e os ensaios de susceptibilidade de maneira automatizada, eles possuem um custo elevado ao se considerar o tempo empregado para o cultivo (até duas semanas, a depender do microrganismo) e também os materiais e recursos necessários para o ensaio.
Diante da crescente necessidade de identificação dos genes de resistência na prática clínica e também dos inconvenientes que acompanham os ensaios de susceptibilidade aos antimicrobianos, os cientistas têm apostado em métodos moleculares.
O advento da biologia molecular possibilitou a identificação de marcadores moleculares úteis no diagnóstico rápido de quadros onde a resistência medicamentosa possui algum papel, o que é essencial para a estratificação de risco de pacientes, como no caso daqueles com sepse.
PCR
A PCR é uma das técnicas moleculares mais utilizadas nesse contexto, auxiliando no diagnóstico e também na elucidação dos mecanismos de resistência a antimicrobianos.
Esse método bastante tradicional, entretanto, não facilita a observação ampla da realidade genômica do microrganismo de interesse, Isto porque a técnica foca apenas em sequências e em genes pré-determinados, o que pode ser um problema especialmente em situações clínicas.
Sequenciamento de Nova Geração
Novas técnicas têm sido empregadas e padronizadas para a finalidade do estudo, do diagnóstico e do controle dos genes de resistência, como é o caso do Sequenciamento de Nova Geração.
As leituras obtidas através do Sequenciamento de Nova Geração (NGS), alinhado às ferramentas de bioinformática e aos bancos de dados de resistência a antimicrobianos, viabilizam a investigação não somente de isolados, mas também de amostras clínicas e ambientais através da metagenômica.
Além de aumentar a velocidade e diminuir os custos da identificação de patógenos, genes e mecanismos de resistência, o NGS também viabiliza estudos a partir de amostras obtidas na agropecuária, onde há um foco de surgimento de genes de resistência.
Desse modo, o sequenciamento de nova geração oferece grandes possibilidades para um campo no qual as demandas são muito urgentes. Talvez a oportunidade de controlar genes de resistência para além de hospitais e serviços de saúde, incluindo o campo, a pecuária e os sistemas de saneamento, possa viabilizar um futuro no qual tais ameaças sejam mantidas sob controle, aumentando a eficácia das terapias medicamentosas e o bem estar da população como um todo.
Referências
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