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O Splicing alternativo é um processo extremamente comum em nosso genoma, especialmente entre íntrons e éxons. Dessa maneira, os sítios de splicing nada mais são do que espaços onde ocorre a quebra de íntrons e éxons em nosso genoma.
O que anteriormente poderia ser nomeado material de DNA lixo, atualmente é essencial para o processo de splicing. Pensando nisso, ao longo deste conteúdo, iremos explicar onde e quando o splicing alternativo ocorre, bem como sua importância para a diversidade proteica em nosso organismo. Vamos lá?
Genoma humano e a complexidade proteica
Uma ousada iniciativa iniciada em 1990 objetivava decifrar todo o material genético humano. Até então, era conhecida uma ampla gama de proteínas que constituíam o nosso corpo e a partir delas, poderíamos estimar a quantidade de genes que as codificam, pelo menos era o que se pensava na época.
Antes do projeto genoma humano, estimava-se que aproximadamente 100 mil genes estariam trabalhando para suprir as demandas proteicas de nosso organismo.
Dez anos após a conclusão do projeto genoma, o que a comunidade científica se deparou, foi uma realidade inquietante: o número de genes era significativamente menor que o número de proteínas do organismo humano.
Novas dúvidas foram surgindo em meio a complexidade do genoma humano. A visão simplista que um gene codificava uma proteína precisava então ser revista.
Splicing alternativo: um gene, muitas proteínas?
O conceito que um gene, pode codificar muitas proteínas, surgiria anos mais tarde, após as observações feitas por Sir Archibald Garrod, um médico inglês que, na virada do século 20, após trabalhar com pacientes com alcaptonúria, especulou uma possível ligação dos genes com enzimas.
Pessoas com alcaptonúria, dentre outros sintomas, tem a urina escura (observação da época feita pelo médico Garrod) e fazendo ligação com os dados publicados por Mendel sobre os genes das ervilhas, Garrod sugeriu que um gene defeituoso poderia não estar codificando uma enzima necessária para o metabolismo de uma molécula chamada Alcapton.
Após Garrod, Beadle e Tatum (1940) trabalharem com o fungo do pão, Neurospora crassa, demonstraram através de experimentos científicos, uma clara ligação entre os genes e enzimas metabólicas. A hipótese: Um gene, uma enzima, permanece válida até a conclusão do projeto genoma humano.
Após a conclusão do genoma humano, surge a teoria: Um gene-muitas proteínas. Hoje sabemos também que não somente proteínas, mas também RNAs e pequenas cadeias polipeptídicas, como subunidades proteicas, são codificadas pelos genes.
Afinal o que é o Splicing alternativo?
Após a conclusão do projeto genoma, os pesquisadores se depararam com sequências de DNA não codificadoras de proteínas. A essas sequências eles chamaram de “DNA lixo”, pois estão no interior de genes e “não serviam para nada”.
Com o passar do tempo, pesquisas mais específicas demonstraram que as sequências denominadas “DNA lixo”, na verdade exerciam um importante papel na regulação da expressão gênica. Essas sequências passaram a ser chamadas de íntrons e se diferenciam daquelas regiões do gene que codificam para proteínas, chamadas éxons.
Íntrons e éxons são transcritos em RNA mensageiro (mRNA) primário ou pré-mRNA. Após a transcrição, o mRNA passa pelo processo de remoção dos íntrons, originando o mRNA maduro, que será traduzido em proteína.
Chamamos de splicing alternativo, pois nesse processo, podem ser feitas combinações, embaralhamento dos éxons, para a formação de diferentes proteínas a partir de um único gene.
Como ocorre o Splicing alternativo?
Mais de 100 proteínas distintas e algumas moléculas de RNA, conhecidas como snRNAs (small nuclear), formam um complexo conhecido como spliceossomo. O complexo spliceossomo, interage com sequências nucleotídicas específicas que delimitam as fronteiras éxons-íntrons, também chamadas sítios de splicing.
Os sítios de splicing são as regiões onde ocorrem a “quebra e separação” dos éxons/íntrons. Esses sítios são compostos por sequências nucleotídicas altamente conservadas: GU na extremidade 5´ e AG na extremidade 3´ dos íntrons. O spliceossomo ao se ligar nos sítios de splicing, constituem então a ruptura dos íntrons.
Após a remoção dos íntrons, os éxons precisam ser realocados, e muitas vezes reorganizados em posições distintas, dando origem a diferentes mRNAs maduros. Para executar essa função, proteínas reguladoras de splicing (SR) se ligam a regiões dentro dos éxons denominadas Exonic Splicing Enhancers (ESEs). Ao ligar- se às regiões ESEs, as proteínas SR recrutam moléculas snRNAs, favorecendo a inclusão do éxon no mRNA maduro (Fu,1995).
Assim como os ESEs, pequenas regiões nucleotídicas denominadas Exonic Splicing Silencers (ESS), presentes dentro dos éxons, são importantes na regulação do processo de splicing. Mas ao contrário das ESEs, regiões ESSs impedem a ligação das proteínas SR e dessa forma, o éxon em questão, é excluído do mRNA.
Portanto, o processo de splicing alternativo é fundamental para a diversidade proteica. Ao mesmo tempo um processo complexo, altamente preciso e que deve ser muito bem orquestrado, pois qualquer erro, resulta em mRNA maduro disfuncional o que consequentemente afetará a proteína a ser formada.
Nota: Proteínas SR tem esse nome em função de seu domínio de ligação RS (regiões ricas em Argininas (R) e Serina (S)), na região C-terminal que permite a interação proteína-proteína.
Evolução, íntrons e Splicing alternativo
Duas teorias tentam explicar a presença dos íntrons em eucariotos:
- Introns early: Diz que os íntrons já existiam em eucariotos primordiais. Nesse caso, um processo de splicing também já existia. A inexistência de íntrons em procariotos atuais, se deve a perda dos mesmos durante a evolução;
- Introns Late: Diz que os íntrons foram adquiridos ao longo do processo evolutivo, uma vez que genes dos ancestrais dos eucariotos não possuem íntrons.
A hipótese introns late parece ser melhor aceita, considerando as vantagens adaptativas que os íntrons oferecem ao organismo, visto a grande variabilidade biológica dos eucariotos. Por exemplo, em seres humanos, cerca de 20 a 25 mil genes produzem algo em torno de 128 mil proteínas. “Quanto mais complexo um organismo, maior a probabilidade de ter se tornado assim ao sintetizar várias proteínas a partir de um único gene”.


Sequências ALU vs éxons
É bem conhecido o fato da existência de elementos móveis no genoma de eucariotos. Falaremos, nesse caso, das sequências ALU, que são sequências de DNA com aproximadamente 300 nucleotídeos.
Essas sequências apresentam-se em aproximadamente 1,4 milhões de cópias na espécie humana, continuando a expandir-se, gerando cópias de si mesmas e reinserindo-se em locais aleatórios no genoma.
Mas, o que os éxons tem haver com as sequências ALU? Pois bem! Cerca de 5 % dos éxons humanos possuem essas sequências.
Evidências mostram que, quando uma sequência, Alu, é inserida em um íntron, esse passa a virar um éxon, portanto, uma nova sequência codificadora de proteína. Devemos ressaltar que quando essas ou outras sequências móveis, bem como mutações acontecem nos íntrons, raramente existirá consequências negativas, visto que íntrons não codificam proteínas.
Outra questão que merece destaque, é que quando a sequência Alu “pula” para o interior de um íntron, alterações nessas sequências geralmente criam pontos de splicing 5´ou 3´ dentro do antigo íntron. Dessa forma, esse “novo” éxon passa a ser reconhecido pelo complexo spliceossomo. Isso é vantajoso?
- Ponto positivo dos éxons Alu: Durante o processo de splicing alternativo, éxons Alu, são inseridos nos mRNA maduros, mas mRNA maduros sem esses éxons ainda continuam a ser produzidos. Nesse caso, diferentes proteínas são produzidas em função do novo éxon, sem que as proteínas antigas deixem de ser produzidas;
- Ponto negativo dos éxons Alu: Nesse caso, quando o éxon Alu, passa a ser inserido em todos os mRNA maduros, doenças genéticas podem ser desencadeadas em função da ausência da proteína anterior. Casos de doenças como:
- Síndrome de Alport;
- Sly;
- Atrofia girata da coróide e da retina.
Considerações finais
O processo de splicing alternativo, viabiliza a produção de proteínas de funções diversas dentro de um mesmo tecido e a partir de um conjunto limitado de genes;
Todo o mecanismo de splicing mencionado acima, são bem conservados, indo de fungos aos humanos;
O processo de splicing é conhecido apenas em eucariotos, pois ainda não foram relatados esses processos em procariotos, apesar dos vários estudos feitos acerca desse processo;
Cerca de 95% dos genes humanos produzem diferentes variantes de splicing alternativo;
Evidências recentes, demonstraram também que splincing alternativo pode ter papel fundamental no desenvolvimento dos fenótipos associados as hallmarks do câncer (angiogênese, evasão do sistema imune, controle da apoptose, regulação do ciclo celular e etc). Além do mais, o banco de dados de mutações humanas mostra diversas alterações nos sítios Exonic Splicings Enhancers (ESEs). Essas mutações nos ESEs podem alterar o processo de splicing;
O genoma humano conta com um total de aproximados 562 mil éxons;
O maior gene do genoma humano tem aproximadamente 27 mil pb e possui 9 éxons;
Existem genes com mais de 300 íntrons;
Em geral, os éxons possuem aproximados 120 nucleotídeos, enquanto que os íntrons variam de 100 a 100 mil nucleotídeos;
O processo de splicing é altamente refinado e ainda muito se desconhece sobre ele. Por exemplo, ainda não é muito bem compreendido, como o complexo spliceossomo é capaz de processar um mRNA primário contendo vários íntrons, ordená-los adequadamente, sem omitir nenhum. Além do mais, as sequências que sinalizam para o complexo spliceossomo podem estar presentes ao longo do gene sem que o complexo spliceossomo se ligue nelas.
Referências:
Beadle, G. W., & Tatum, E. L. (1941). Genetic Control of Biochemical Reactions in Neurospora. Proceedings of the National Academy of Sciences of the Uniteds States of America1, 27(11), 499–506.
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Piro, A., Tagarelli, G., Lagonia, P., Quattrone, A., & Tagarelli, A. (2010). Archibald Edward Garrod and alcaptonuria: “inborn errors of metabolism” revisited. Genetics in Medicine, 12(8), 475–476. https://doi.org/10.1097/GIM.0b013e3181e68843
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