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Surdez não-sindrômica: O que é e quais as causas?

A surdez é a deficiência sensorial mais comum dos seres humanos. Saiba mais sobre a surdez não-sindrômica e o novo artigo do Projeto Genomas Raros publicado na revista Frontiers in Genetics.

No fim do mês de agosto, o Projeto Genomas Raros teve seu segundo artigo científico publicado na Frontiers in Genetics, com o tema genômica da surdez não-sindrômica. Se você ainda não conhece o Projeto Genomas Raros, leia o meu post anterior sobre a nossa primeira publicação! 

Entenda a seguir o que é a surdez, e mais especificamente, da surdez congênita não-sindrômica e saiba mais sobre o nosso novo artigo: “Genomic study of nonsyndromic hearing loss in unaffected individuals: Frequency of pathogenic and likely pathogenic variants in a Brazilian cohort of 2,097 genomes”.

O que é a surdez (não-sindrômica)?

A surdez é a deficiência sensorial mais comum dos seres humanos, e pode ser classificada de maneira geral em duas formas: a sindrômica e a não-sindrômica. A sindrômica é a surdez acompanhada de outras manifestações clínicas, como por exemplo, malformações em outros órgãos. 

A surdez sindrômica ganha esse nome porque definimos uma síndrome como um grupo de condições clínicas que ocorrem em conjunto.

Já a surdez não-sindrômica é a surdez isolada, ou seja, ela é a única manifestação clínica presente no indivíduo.

Prevalência da surdez no Brasil

Formas congênitas da surdez (ou seja, presentes já no nascimento) afetam em torno de 4 a cada 1000 nascidos vivos no Brasil. Por volta de 20% desses casos têm uma causa monogênica, ou seja, causada por variantes genéticas em um único gene. 

Por sua vez, dos casos de surdez com causa genética, outros 70% a 80% dos casos são de surdez não-sindrômica.

Em outras palavras, para cada 100 crianças nascidas surdas no Brasil, por volta de 20 são surdas por causas genéticas (20%) e o restante (80%) muitas vezes não sabemos com certeza a causa da surdez (fatores ambientais como infecções durante a gravidez, por exemplo, podem causar surdez). 

Dessas 20 crianças, em torno de 16 apresentariam surdez não-sindrômica (80% de 20% – escolhi o limite superior da segunda estimativa acima) e as outras 4 apresentariam surdez sindrômica.

A genômica da surdez não-sindrômica

A comunidade científica que estuda a surdez já conhece boa parte dos genes envolvidos nos casos de surdez não-sindrômica e identificou as variantes mais associadas com essa condição. 

O estudo do Projeto Genomas Raros usou os dados fornecidos por milhares de sequenciamentos de genoma completo para mapear variantes nos principais genes associados com surdez não-sindrômica na população brasileira. 

Avaliamos variantes associadas tanto com a surdez de início precoce (manifestada ainda na infância) quanto com a surdez de início tardio.

Um ponto positivo de sequenciar o genoma inteiro dos indivíduos convidados para o projeto é que a técnica consegue capturar vários tipos de variantes: desde variantes de único nucleotídeo (SNVs na sigla em inglês), inserções e deleções (indels na sigla em inglês) e variantes de número de cópias (CNVs na sigla em inglês). 

surdez não-sindrômica - tipos de mutação

Além disso, o sequenciamento de genoma completo é capaz de capturar variantes em regiões não codificantes e regulatórias do genoma, além de variantes presentes no genoma mitocondrial (as mitocôndrias são as “fábricas de energia” das células – estão presentes em todas as trilhões de células que compõem o corpo humano).

Agora que falei um pouco sobre a surdez, vou contar um pouco sobre nosso novo artigo publicado.

Metodologia do nosso artigo

Utilizamos o genoma completo de 2097 brasileiros e brasileiras convidados para participar do Projeto Genomas Raros. Eles vieram de quase todo o país e é um grupo bem diversificado em termos de idade e condição clínica. Na época que iniciamos o estudo, eles vinham de 16 centros de referência em doenças raras.

Revisamos as informações clínicas dos 2097 indivíduos para ter certeza que nenhum deles tinha diagnóstico de surdez congênita não-sindrômica nem de surdez sindrômica. Você pode estar se perguntando, “por que estudar a genômica da surdez em pacientes que não são surdos?

O motivo é que, apesar da amostra do Projeto Genomas Raros ser de indivíduos com outras doenças raras, ela pode servir para representar a população brasileira de um modo geral. Dessa forma, podemos estimar a frequência de variantes associadas à surdez não-sindrômica no nosso país. 

Isso é importante porque pode ajudar no processo de aconselhamento genético. Boa parte das formas de surdez não-sindrômica possuem modo de herança do tipo autossômico recessivo, significando que a pessoa precisa herdar duas variantes genéticas para desenvolver a condição. 

Isso é de extrema importância, por exemplo, para casais consanguíneos que estejam tentando ter filhos – os dados podem ajudar a calcular a chance de que um ou mais de seus filhos possam nascer com surdez não-sindrômica.

Em seguida, examinamos o genoma de cada um deles em busca de variantes genéticas em genes importantes para a surdez não-sindrômica. Investigamos 121 genes do genoma nuclear e 112 variantes mitocondriais!

Mais detalhadamente, fizemos uma lista de mais de 5000 variantes conhecidas desses genes que foram identificadas em estudos anteriores para avaliar quais delas estariam presentes na nossa amostra brasileira e com que frequência.

Principais Resultados

Uma das principais contribuições do nosso estudo foi que fizemos uma estimativa da frequência das variantes genéticas associadas com surdez não-sindrômica no Brasil. Por exemplo, os cinco genes mais representados na amostra foram o GJB2, o STRC, o OTOA, o TMPRSS3 e o OTOF.

Das mais de 5000 variantes que investigamos, encontramos 89 SNVs e 12 CNVs reconhecidamente patogênicas ou provavelmente patogênicas, e calculamos suas frequências.

Ao todo, encontramos 222 heterozigotos para os SNVs e 54 heterozigotos para as CNVs. Com essa informação, usamos um modelo matemático conhecido como Equilíbrio de Hardy-Weinberg para estimar a prevalência populacional de pessoas com surdez não-sindrômica na forma autossômica recessiva, que geralmente é mais grave que a forma dominante e manifesta-se já ao nascimento. 

Encontramos um valor de 1:2.222. Em outras palavras, uma pessoa a cada 2222 no Brasil teria surdez não-sindrômica devido a variantes em ambos os alelos (ela herdou duas variantes num mesmo gene associado com surdez).

Outro achado interessante foi que 104 indivíduos apresentaram variantes associadas com formas autossômicas dominantes de surdez não-sindrômica de início tardio, o que significa que ao longo da vida, sobretudo na terceira idade, podem desenvolver surdez.

Conclusão

Nosso artigo foi uma importante contribuição para o entendimento da genômica e da prevalência da surdez não-sindrômica em território nacional. E esse é apenas um dos muitos estudos sendo desenvolvidos pela equipe do Projeto Genomas Raros. Acompanhe o nosso novo site e o Blog do Varsomics para saber todas as novidades desse importante projeto para nosso país!

Autor: Antonio Coelho

Antonio Victor Campos Coelho é Biólogo e Doutor em Genética pela Universidade Federal de Pernambuco e atualmente é Pesquisador de Pós-Doutorado pelo Projeto Genomas Raros. Possui experiência em análise de dados, estatística e bioinformática aplicados em Genética Humana.

Referências

[1] QUAIO, C. R. D. A. C.  et al. Genomic study of nonsyndromic hearing loss in unaffected individuals: Frequency of pathogenic and likely pathogenic variants in a Brazilian cohort of 2,097 genomes. Frontiers in Genetics, v. 13, 2022. p.

[2] SHEARER, A. E.; SMITH, R. J. Massively Parallel Sequencing for Genetic Diagnosis of Hearing Loss: The New Standard of Care. Otolaryngol Head Neck Surg, v. 153, n. 2, 2015. p. 175-82.

[3] SCHÜFFNER, R. O. A.  et al. Molecular study of hearing loss in Minas Gerais, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol, v. 86, n. 3, 2020. p. 327-331.

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