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A triagem neonatal, popularmente conhecida como Teste do Pezinho, permite o diagnóstico precoce de uma série de doenças graves em bebês ainda assintomáticos. O diagnóstico e a intervenção com tratamentos precoces podem evitar sequelas graves e até óbitos. Dentre os distúrbios que podem ser identificados em testes de triagem neonatal estão as imunodeficiências primárias.
O que são IDPs?
Imunodeficiência primária (IDPs) é um grupo heterogêneo de distúrbios genéticos que afetam o desenvolvimento ou a função do sistema imune. IDPs compreendem mais de 130 condições diferentes e na maioria das vezes são de origem monogênica, ou seja, são determinadas por um ou poucos genes.
As IDPs são consideradas emergências pediátricas devido ao seu potencial de comprometer de forma grave a saúde do recém-nascido.
Principais sintomas associados a IDPs
A principal manifestações clínica das IDPs são infecções recorrentes graves, que geralmente começam aos quatro a seis meses de idade. Isto acontece porque recém-nascidos com IDPs apresentam um sistema imunológico debilitado, o que os tornam vulneráveis a infecções comuns da população pediátrica.
Além disso, outros sintomas observados para crianças com imunodeficiência grave podem ser:
- Infecções intestinais
- Asma grave, doença autoimune
- Otite de repetição
- Pneumonia de repetição
- Estomatite de repetição
Quando não diagnosticados, os pacientes apresentam uma alta taxa de morbilidade e a mortalidade. A identificação precoce através da triagem neonatal permite intervenção imediata e resultados eficazes a longo prazo.
As doenças imunológicas primárias são classificadas em cinco grupos:
- Deficiências de células T
- Deficiências de células B
- Deficiências combinadas de células T e B
- Defeitos de complemento
- Defeitos de granulócitos
Imunodeficiência Combinada
Dentre as IDPs a Imunodeficiência Combinada Grave (IDCG ou SCID do inglês Severe Combined Immunodeficiency) se destaca em grau de severidade. As SCIDs são consideradas emergências pediátricas pela alta taxa de mortalidade em crianças não tratadas, chegando a quase 100% antes de um ano de idade. A doença apresenta uma incidência estimada de 1 em 50 mil a 1 em 100 mil nascidos vivos.
Este grupo de doenças é associado a mutações monogênicas de cerca de 15 genes independentes, mas que, quando alterados, compartilham a mesma característica fenotípica. IDCG é caracterizado pela grave deficiência do sistema imunológico, principalmente, pela ausência completa ou quase nula de células T maduras.
O restabelecimento de uma imunidade normal para pacientes IDCG pode ser realizado através do transplante de células-tronco hematopoiéticas, desde que identificado e tratado precocemente. No entanto, assim como outras imunodeficiências primárias, a identificação de SCIDs em recém-nascidos necessita de exames laboratoriais.
Hoje, a triagem neonatal para imunodeficiências conta com diagnóstico para imunodeficiência combinada grave através da quantificação de linfócitos T. Dessa forma se tornou possível identificar SCID em pacientes antes mesmo deles apresentarem qualquer sintoma clínico da doença.
Métodos de triagem neonatal para IDPs?
Antes, precisamos entender sobre os marcadores utilizados nesta técnica:
TREC e KREC: Marcadores dos linfócitos T e B
Normalmente, os genes receptores de células T são editados durante formação dos receptores de antígeno das células T. Nestes processos, fragmentos de circulares de DNA são gerados como subprodutos e não sofrem replicação adicional nas células em divisão.
Estes DNA circulares gerados são chamados de TREC (do inglês T-cell Receptor Excision Circles). E o número de cópias de TRECs está diretamente associado a quantidade de linfócitos T no sangue. Portanto, os TRECs são considerados marcadores de células T formadas recentemente.
Da mesma forma, os KRECs (do inglês Kappa-deleting Recombination Excision Circles) correspondem ao produto circular de DNA do rearranjo do gene da imunoglobulina kappa do linfócito B. Portanto, a quantificação de KRECs é muito eficiente para a detecção de agammaglobulinemia e outras linfopenias de células B.
Exames para Imunodeficiência primária
Atualmente, a triagem neonatal para imunodeficiências é realizada por reação quantitativa em cadeia da polimerase (qPCR). Esta técnica é capaz de quantificar o número TRECs e KRECs através do DNA extraído de pontos de sangue em um papel. Portanto, é essencial garantir a qualidade e quantidade suficiente de material genético.
Bebês com resultados anormais ou duas amostras de falha em testes de triagem neonatal para imunodeficiência, requerem testes de segundo nível com quantificação de células T e/ou células B por citometria de fluxo.
Quais são as limitações da triagem neonatal para IDPs?
A triagem neonatal utilizando as análises TREC e KREC foram introduzidas em muitos países e modificaram efetivamente a morbimortalidade dos IDPs.
É um método estabelecido para identificar bebês com SCID. Infelizmente, a análise TREC não é capaz de identificar doenças nas quais o defeito molecular está a jusante do rearranjo do receptor de células T (como deficiência de Zap70, deficiência de MHC Classe II e alguns casos de deficiência tardia de ADA) ou casos de disfunção qualitativa de células T.


Sobre a autora:
Dayse Alencar-Cupertino é biomédica com mestrado em genética e biologia molecular. Possui experiência em genética e biologia molecular, com foco em diagnóstico molecular de doenças humanas, atuando também nas áreas de genética forense e paternidade. Faz parte do principal serviço de consultoria na área e atualmente é consultora em genética no laboratório DLE/Grupo Hermes Pardini.
Referências:
[1] Al-Herz W, Bousfiha A, Casanova JL, Chatila T, Conley ME, Cunningham-Rundles C, et al. Primary immunodeficiency diseases: an update on the classification from the international union of immunological societies expert committee for primary immunodeficiency. Front Immunol. 2014; 5:162.
[2] F Serana, M Chiarini, C Zanotti, et al. Use of V (D) J recombination excision circles to identify T-and B-cell defects and to monitor the treatment in primary and acquired immunodeficiencies. Journal of translational medicine 11 (1), 119.
[3] J King, L Hammarström. Newborn Screening for Primary Immunodeficiency Diseases: History, Current and Future Practice. J Clin Immunol (2018) 38:56–66.