Desde o primeiro surto do vírus SARS-CoV-2, na cidade chinesa Wuhan, muitas mudanças ocorreram ao longo do genoma desse vírus. Essas mudanças, denominadas mutações, ocorrem principalmente como resultado das pressões ambientais ao qual o vírus está sofrendo durante o processo de adaptação ao seu novo hospedeiro, o ser humano. Ao longo do tempo, as variações genéticas que favoreçam a permanência do vírus no hospedeiro serão naturalmente selecionadas e tendem a se espalhar com maior facilidade.
Para melhor compreender a evolução do SARS-CoV-2 e sua adaptação ao hospedeiro humano, é fundamental investigar as características genéticas e fenotípicas das linhagens que estão circulando nos diferentes países. Pesquisadores no mundo todo estão dedicados a essa intensa investigação a cerca das alterações ao longo do genoma do SARS-CoV-2. Particularmente, mutações que ocorram na região da proteína Spike (S). A proteína Spike do SARS-CoV-2 atrai muito interesse pelo fato de interagir com a proteína ACE2 humana, proteína essa que ajuda na etapa de entrada do vírus nas células do hospedeiro.
O consórcio COGuk (COVID-19 GENOMICS UK CONSORTIUM) divulgou um relatório onde estão descritas as principais mutações observadas na proteína Spike do SARS-CoV-2 e também estão descritos detalhes sobre a nova variante inglesa (Linhagem B.1.1.7). Os resultados apresentados nesse relatório foram obtidos a partir da análise de 126.219 genomas virais. Entre as diferentes mutações encontradas, foram destacadas cinco mutações não-sinônimas, ou seja, 5 mudanças na composição de aminoácidos da proteína Spike: D614G, A222V, N439K, Y453F e N501Y, além de uma deleção (Δ69-70) e a ocorrência simultânea de algumas dessas alterações (Tabela 1).


Característica da nova variante do SARS-CoV-2
A nova variante (linhagem B.1.1.7) do SARS-CoV-2 que circula principalmente no Reino Unido, tem ganhado destaque na mídia por apresentar maior número simultâneo de mutações ao longo do genoma (14 mudanças de aminoácidos e 3 deleções, incluindo na região da Spike; Tabela 2) e estar relacionada ao aumento do número de casos de COVID-19 no referido país.


Além do Reino Unido, nos últimos dias, também foram relatados indivíduos infectados por essa nova variante na França, Alemanha, Espanha, Suécia, Itália, Dinamarca, Austrália, Suíça, Holanda, África do Sul, Japão e Canadá.
No Brasil ainda não foi reportada a presença dessa nova variante, no entanto outras mutações tem sido identificadas incluindo alterações na proteína Spike, como por exemplo a mutação E484K. Vale ressaltar que o rápido crescimento desta linhagem fortalece a importância do intenso monitoramento da diversidade genética do SARS-CoV-2, bem como a vigilância epidemiológica dessa infecção a nível mundial.
Autores:
Fernanda de Mello Malta, Biomédica com Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. Analista Sênior no Laboratório de Técnicas Especiais do Hospital Israelita Albert Einstein – LATE/HIAE.
João Renato Rebello Pinho, Médico Patologista Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Departamento de Medicina Laboratorial do Hospital Israelita Albert Einstein. Pesquisador responsável do projeto SARS-Omics
Referências:
Preliminary genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in the UK defined by a novel set of spike mutations, Andrew Rambaut, Nick Loman, Oliver Pybus, Wendy Barclay, Jeff Barrett, Alesandro Carabelli, Tom Connor, Tom Peacock, David L Robertson, Erik Volz, on behalf of COVID-19 Genomics Consortium UK (COG-UK). https://virological.org/t/563
COVID-19 Genomics UK (COG-UK) consortiumcontact@cogconsortium.uk. 2020. An Integrated National Scale SARS-CoV-2 Genomic Surveillance Network. The Lancet. Microbe 1 (3): e99–100.