Zoonoses e Vírus Emergentes: O Que são e Como Identificar?

Vírus emergentes são uma preocupação global, principalmente na disseminação de zoonoses. Entenda o que são e como ameaçam a saúde humana.
virus emergentes

Os vírus emergentes e reemergentes são uma preocupação global quando se trata de saúde pública. Oriundos muitas vezes de animais, esses vírus causam zoonoses que, se não identificadas e contidas, tendem a gerar inúmeras infecções. 

Desse modo, a rápida identificação desses patógenos, bem como a conscientização e prevenção das infecções precisam ser feitos de forma integrada e efetiva.

Quer saber mais sobre como as zoonoses e os vírus emergentes ameaçam a saúde humana? Acompanhe!

O que são zoonoses?

Os seres humanos sempre foram atormentados por epidemias causadas principalmente por doenças infecciosas que se originaram de animais, especialmente animais selvagens. Uma zoonose é uma doença infecciosa que “saltou” de um animal não humano para humanos.

Em outras palavras, as zoonoses são definidas como doenças e infecções naturalmente transmitidas entre pessoas e animais vertebrados.

Os patógenos zoonóticos são agentes bacterianos, virais e parasitários, ou podem envolver agentes não convencionais. Sua disseminação para humanos podem ocorrer por contato direto ou por meio de alimentos, água ou meio ambiente.

Em nível global, estima-se que cerca de um bilhão de casos de doenças e milhões de mortes ocorram anualmente por zoonoses. 

Além disso, cerca de 60% das doenças infecciosas emergentes relatadas globalmente são zoonoses, sendo que mais de 30 novos patógenos humanos foram detectados nas últimas três décadas, 75% dos quais se originaram em animais.

As zooanoses são divididas em três classes:

  1. Zoonoses endêmicas, que estão presentes em muitos lugares e afetam muitas pessoas e animais;
  2. Zoonoses epidêmicas, de distribuição temporal e espacial esporádica; 
  3. Zoonoses emergentes e reemergentes, que estão aparecendo recentemente em uma população ou já existiam anteriormente, mas estão aumentando rapidamente em incidência ou alcance geográfico.

O estabelecimento de transmissão sustentada destas zoonoses, a partir de eventos de transbordamento iniciais, envolve a interação de mecanismos complexos.

No entanto, há consenso de que o contato direto ou indireto de humanos com animais e seus fluidos corporais (uma “interface animal-humano”) é essencial para uma transmissão bem-sucedida entre espécies.

O que são vírus emergentes?

Vírus emergentes são aqueles capazes de causar novas doenças em seres humanos (doenças emergentes). 

O termo “vírus recém-emergente” é diferente de “vírus emergente” porque um vírus recém-emergente ainda não foi isolado em laboratório. Se o vírus foi isolado e, mais importante, se um teste de diagnóstico está disponível, isso tem implicações para a vigilância do mesmo.

O reconhecimento de um vírus emergente é inicialmente feito através do estudo da apresentação clínica de indivíduos infectados. Casos de uma doença infecciosa aparentemente nova em humanos levarão a investigações epidemiológicas e iniciarão esforços para isolar o agente causador.

Uma vez isolado o agente, o esforço se volta para o desenvolvimento de métodos de diagnóstico. Em algum ponto dessa progressão, o vírus é visto como uma causa estabelecida de doença endêmica ou epidêmica, e não é mais considerado um “recém-emergente”.

É importante notar que os vírus emergentes e reemergentes são sempre uma ameaça contínua à saúde humana devido ao seu incrível potencial de adaptação. Isso vale tanto para seus hospedeiros atuais, quanto para mudar para novos hospedeiros e desenvolver estratégias para escapar das medidas antivirais.

Uma doença emergente, conforme definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma doença que apareceu em uma população pela primeira vez, ou que pode ter existido anteriormente, mas está aumentando rapidamente em incidência ou alcance geográfico.

Zoonoses mais comuns enfrentadas por humanos

O risco de emergência e disseminação de novos patógenos humanos originários de um reservatório animal aumentou nas últimas décadas. No entanto, a natureza imprevisível do surgimento de doenças torna a vigilância e a preparação desafiadoras.

O conhecimento dos fatores de risco gerais para emergência e disseminação, combinado com dados de nível local, é necessário para desenvolver metodologias baseadas em risco para detecção precoce.

Exemplos de doenças zoonóticas globalmente importantes identificadas incluem:

  • Vírus Ebola em 1976;
  • Gripe aviária (H5N1) em 1997;
  • Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2002;
  • Gripe suína (H1N1) em 2009;
  • Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) em 2012;
  • Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV2) em 2019.

Além das citadas anteriormente, muitos outros vírus causam doenças e epidemias no mundo, como é possível ver na figura abaixo:

Linha do tempo de zoonoses - vírus, anteriormente classificados como emergentes e seus respectivos  animais-reservatórios.

Vigilância, prevenção e controle de zoonoses

A vigilância em saúde é uma ferramenta fundamental para a saúde pública, produzindo informações para orientar as ações. A vigilância moderna tende a seguir medidas de saúde como a incidência de uma doença ou síndrome ou mesmo a ocorrência de comportamentos relacionados à saúde.

Há muitas razões para conduzir a vigilância, e os dados coletados e a abordagem adotada para analisá-los são influenciados pelo objetivo geral de um sistema de vigilância. Os sistemas de vigilância visam principalmente a detecção mas também fornecem informações que podem ser úteis para outros fins.

O objetivo de detectar um surto de um vírus emergente coloca demandas específicas sobre o tipo de dados coletados e os tipos de análises realizadas. Todas as abordagens de vigilância compartilham alguns princípios comuns.

Por que o risco de transmissão de zoonoses têm aumentado?

Em particular, a expansão explosiva do comércio e viagens internacionais dificultou o controle da transmissão viral entre países e continentes. De forma análoga, a quarentena em aeroportos e portos marítimos tornou-se cada vez mais importante para a vigilância de zoonoses.

Estes aspectos, assim como a história recente, evidenciam que a ameaça de uma determinada doença transmissível em um determinado lugar pode se tornar também uma ameaça global. 

O risco de propagação e carga de doenças emergentes e reemergentes foi aumentado pelas extensas interações entre animais, humanos e ecossistemas, como resultado do crescimento:

  •  das populações humanas;
  •  urbanização em rápido crescimento e sistemas agrícolas em mudança;
  •  interações próximas entre a vida selvagem e os animais domésticos (seguidas pela invasão da floresta, destruição do habitat e mudanças no ecossistema);
  • globalização no comércio de animais e produtos de origem animal;
  • resistência antimicrobiana;
  • mudanças climáticas.

Embora alguns dos métodos subjacentes usados ​​na vigilância da saúde pública tenham evoluído consideravelmente nos últimos anos, a abordagem geral da vigilância permaneceu relativamente constante. Em um nível fundamental, a vigilância visa:

1.       identificar casos individuais,

2.       detectar padrões populacionais em casos identificados e, então,

3.  transmitir informações aos tomadores de decisão sobre os padrões de saúde da população, para que adotem medidas de controle e prevenção.

Métodos de identificação de zoonoses e vírus emergentes

Atualmente, os métodos de detecção de ácido nucleico estão entre os meios mais eficazes para identificar rapidamente a infecção viral diretamente da fonte.

O teste e a detecção de influenza zoonótica, por exemplo, são realizados com ensaios de reação em cadeia da polimerase, permitindo uma detecção molecular direta altamente sensível e rápida de genomas virais de Influenza zoonótica.

A abordagem de diagnóstico usando RT-PCR em tempo real adotada na maioria dos laboratórios é baseada principalmente no direcionamento do gene da matriz M1, que é um alvo padrão para a diferenciação dos vírus influenza tipo A e tipo B.

Como as sequências genéticas diferem entre os vários subtipos de vírus influenza zoonóticos, é necessário obter ou projetar primers e sondas de PCR que detectem especificamente o subtipo influenza de interesse.

Métodos genômicos para a identificação de zoonoses

Adicionalmente, as ferramentas baseadas em genômica são excelentes para identificação e caracterização de vírus e outros microrganismos. Elas também permitem a investigação de padrões de evolução de vírus por sequenciamento aprofundado de genomas virais em hospedeiros individuais.

A aplicação de Sequenciamento de Nova Geração (NGS) pode fornecer resultados altamente específicos. Além disso, a capacidade de sequenciar um grande número de genomas virais forneceria aos pesquisadores informações aprimoradas e ajudaria no rastreio de zoonoses.

A metagenômica viral, que revela a abundância viral em uma ampla variedade de amostras usando NGS, atualmente está em rápido crescimento.

Os avanços da metagenômica relacionam-se com melhorias em NGS e aliados a abordagens bioinformáticas, usadas para a análise dos dados de leitura de sequência gerados. Sendo assim, os estudos metagenômicos são amplamente aplicados na descoberta de vírus provenientes de variados tipos de amostras, incluindo espécimes de sangue.

Quando a metagenômica viral é aplicada a amostras de sangue, ela fornece uma visão geral completa da abundância de ácidos nucleicos virais, também chamada de “viroma do sangue”. O viroma do sangue humano pode ser definido como a comunidade de todos os vírus encontrados em uma amostra de sangue.

Testes sorológicos não devem ser usados ​​para detecção inicial e caracterização de um potencial evento zoonótico, pois apresentam várias limitações. Entre as limitações, está o fato de que podem ocorrer reações cruzadas entre diferentes linhagens dentro de um subtipo, ou mesmo entre diferentes subtipos do agente patogênico.

Além disso, os resultados obtidos por sorologia fornecem apenas informações sobre a exposição histórica aos vírus zoonóticos e não fornecem informações genéticas virais que são vitais para avaliar a potencial ameaça pandêmica das cepas.

detecção de virus emergentes

Impacto de zoonoses na saúde humana e animal

A prevenção e resposta a surtos de doenças em ambos, humanos e animais, requerem estratégias, ferramentas e mecanismos eficazes de administração e governança. Entre essas estratégias, estão incluídos o armazenamento estratégico e uso equitativo de bens globais, como vacinas e outras terapias.

Tanto nos casos de patógenos previamente conhecidos quanto nos casos de patógenos (recém) emergentes, uma resposta eficaz requer mecanismos globais para definir:

  • Prioridades a serem seguidas
  • Financiar e acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de contramedidas
  • Mecanismo global para fabricação em larga escala de vacinas e medicamentos
  • Distribuição desses medicamentos

Nesse contexto, os profissionais de saúde precisam estar atentos a sintomas diferentes do habitual ou aprofundar a investigação da doença quando a sua recorrência é alta. Junto disso a comunicação das ocorrências aos órgãos de saúde e autoridades precisa ser feita com antecipação e prevenção.

Conclusão

A relação humano-animal existirá e se estreita a cada ano devido ao crescimento populacional e diminuição das florestas, além de outros motivos que anteriormente listados no decorrer do texto. Com isso o risco de vírus emergentes zoonóticos ainda é um motivo de atenção e prevenção.

Estar em alerta com casos isolados e investigar de maneira profunda, utilizando ferramentas genômicas, são passos essenciais para identificar rapidamente o agente causal e haver tempo hábil para o estabelecimento de estratégias de contenção e controle das infecções.

Referências

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