BRCA: O Que São e Como se Associam ao Câncer

Variantes nos genes BRCA podem aumentar a susceptibilidade ao câncer. Entenda esta associação e como diagnosticar.
BRCA1 BRCA2 cancer de mama

O par de genes BRCA (BRCA1 e BRCA2) é normalmente associado ao câncer de mama e de ovário. Apesar dessa relação ser verdadeira no câncer hereditário de mama e de ovário, estes genes são indispensáveis à vida, atuando na reparação do DNA de todas as pessoas.

Quer saber mais sobre os genes BRCA? Neste texto abordamos suas definições, funções, variantes patogênicas e metodologias de análise, confira!

O que são os genes BRCA?

Os genes BRCA1 e BRCA2 são Genes Supressores de Tumor (GST) e algumas de suas variantes genéticas são associadas ao aumento da susceptibilidade ao câncer, especialmente os de mama e de ovário. Por isso, “BRCA” é uma sigla do inglês para Breast Cancer (Câncer de Mama).

Ambas as proteínas expressas pelos genes BRCA1 e BRCA2 compõem o tecido normal da mama, desempenhando funções de reparo do DNA através da recombinação homóloga. Variantes patogênicas nestes genes, portanto, geram perda de função e consequente instabilidade genômica.

Cerca de 20% dos casos hereditários de câncer de mama estão relacionados com alterações neste par de genes. Apesar disso, variantes nestes genes podem ocorrer de maneira somática, ou seja, adquiridas no decorrer da vida, através de eventos como a exposição a agentes carcinogênicos. Neste caso, somente algumas das células do organismo são afetadas.

BRCA 1 e BRCA 2
Os genes BRCA1 e BRCA2 encontram se nos cromossomos 17 e 13, respectivamente.
Qual as funções dos genes BRCA?

Em linhas gerais, os genes BRCA estão relacionados com a execução das seguintes funções:
• Mitofagia;
• Regulação dos checkpoints do ciclo celular;
• Regulação transcricional;
• Recombinação homóloga;
• Desdobramento da cromatina (BRCA1);
• Manutenção da integridade da heterocromatina (BRCA1);
• Estabilização da forquilha de replicação (BRCA2).

Gene BRCA1

O gene BRCA1 é encontrado no braço q do cromossomo 17 (17q21) e é composto por 24 éxons, a partir dos quais são codificados 1863 aminoácidos, divididos por diversos domínios.

Quais são os domínios de ligação da proteína BRCA1?

• RING (Really Interesting New Gene, no Terminal N);
• BRCT (BRCA1 C Terminal);
• Super hélice (coiled coil);
• Sinais de Localização Nuclear (NLS);

Os domínios RING e BRCT interagem com proteínas essenciais para a manutenção da integridade genômica, auxiliando no reparo de Quebras de Duplas Fitas através da recombinação homóloga, como é o caso da BARD1 e da Abraxas.

O domínio coiled coil, por sua vez, atua interagindo com o Parceiro e Localizador de BRCA2 (PALB2). Por fim, o NLS atua como um sinalizador, permitindo o direcionamento do transporte  de peptídeos de fora para dentro do núcleo.

proteína BRCA1: um cilindro cinza com marcações dos domínios de ligação.
Imagem 1: representação esquemática da proteína BRCA1 contendo a identificação dos domínios de ligação e de seus ligantes. Os círculos com “P” representam sítios de fosforilação dependentes de CHK2 e ATM.

Gene BRCA2

O gene BRCA2 encontra-se no braço q do cromossomo 13 (13q12.3). Assim como o BRCA1, este gene atua na supressão tumoral, reparando quebras de dupla fita e ligações cruzadas entre cadeias de DNA e, consequentemente, mantendo a estabilidade e a integridade genômica.

A proteína BRCA2 possui 3418 aminoácidos, codificados em 27 éxons.

Quais são os domínios de ligação da proteína BRCA2

• PALB2
• RAD51;
• DNA;
• Sinais de Localização Nuclear (NLS)

De maneira específica, a proteína codificada pelo gene BRCA2 atua regulando a montagem da recombinase RAD51, uma enzima também envolvida com a invasão e procura de DNAs homólogos. Adicionalmente, sabe-se que o BRCA2 também atua mediando a resistência celular contra agentes mutagênicos, como é o caso da radiação UV.

Representação esquemática de uma proteína BRCA 1: um cilindro cinza com marcações dos domínios de ligação.
Imagem 2: representação esquemática da proteína BRCA2 contendo a identificação dos domínios de ligação e de seus ligantes. O círculo com “P” representa um sítio de fosforilação dependentes de ATM.

Variantes patogênicas nos genes BRCA1 e BRCA2

Segundo o banco de dados BRCA Exchange, mais de 65.000 variantes já foram identificadas nos genes BRCA1 e BRCA2. As alterações sofridas por estes genes incluem inserções, deleções, SNVs e outras, que ocorrem tanto em regiões codificantes como em regiões não codificantes.

Das milhares de variantes identificadas, quase 5.000 foram classificadas como patogênicas pelo consórcio ENIGMA. Este é um dado relevante, uma vez que as variantes patogênicas nestes genes podem ser identificadas em mais de 25% dos casos de câncer de mama, em algumas regiões do mundo.

No Brasil, estudos sugerem que variantes patogênicas (PV) e provavelmente patogênicas (LPV) são encontradas em até 10% dos casos de câncer de mama, tornando BRCA1 e BRCA2 os genes mais frequentemente mutados nestes indivíduos.

Principais diferenças clínicas entre BRCA1 e BRCA2

Como citado anteriormente, as mutações patogênicas germinativas nos genes BRCA1 e BRCA2 são associadas ao aumento da susceptibilidade às formas hereditárias dos cânceres de mama e de ovário (HBOC). 

Mulheres que carregam este tipo de variante apresentam riscos de 20% (BRCA2) e 45% (BRCA1) de desenvolvimento de câncer de mama até os 80 anos. Em homens, variantes patogênicas no gene BRCA1 são encontradas em 1% dos casos de câncer de mama. 

Os genes BRCA também estão relacionados (em menor extensão) à susceptibilidade a outros tipos de cânceres que não os de mama e de ovário, como é o caso dos cânceres de próstata, de pâncreas e de pele. 

Variantes patogênicas no gene BRCA2 são encontradas em cerca de 25% dos casos de câncer de próstata, tornando este par de genes relevantes para a saúde de ambos homens e mulheres.

Se por um lado estes números demonstram a alta penetrância destas variantes patogênicas, por outro, é importante ressaltar que nem todas as pessoas que carregam tais variantes desenvolvem algum tipo de câncer.

Outra diferença pode ser observada nos receptores das células cancerígenas. Quando  comparados com tumores esporádicos, os tumores de mama relacionados com BRCA1 costumam apresentar menor expressão de receptores de progesterona, estrogênio e receptores de fator de crescimento epidérmico.

Esta caracterização histológica dos tumores gerados por PV de BRCA1 pode ser importante para o direcionamento clínico realizado pelo médico, muito embora tais informações não estejam tão bem estabelecidas para o gene BRCA2 quanto para BRCA1.

Como são detectadas as variantes patogênicas de BRCA 1 e BRCA2?

Segundo Toland e colaboradores, o método mais comumente utilizado para se investigar os genes BRCA1 e BRCA2 é o sequenciamento genético, principalmente o Sequenciamento de Nova Geração (NGS). 

Os dados obtidos por NGS são processados e analisados por ferramentas de bioinformática. Estes softwares executam algoritmos capazes de alinhar (comparar) sequências, além de chamar (identificar) e anotar (caracterizar) as variantes genéticas presentes em uma determinada amostra.

Ainda com o auxílio de softwares computacionais, profissionais da saúde podem calcular o risco de escore poligênico (PRS, do inglês Polygenic Risk Score) para um determinado traço, como o câncer de mama. Isso possibilita a criação de estratégias personalizadas de rastreio e prevenção do câncer para indivíduos mais suscetíveis ao desenvolvimento da doença.

Neste sentido, o sequenciamento genético é uma metodologia poderosa, que pode beneficiar indivíduos que carregam variantes patogênicas  nos genes BRCA1/2 ou outros genes relacionados a diferentes tipos de cânceres. Essa detecção facilita o diagnóstico precoce que, por sua vez, aumenta a taxa de sobrevida entre pacientes de câncer.

Processamento de sequenciamento . classificação de variante

Conclusão

Os genes supressores de tumor BRCA1 e BRCA2 encontram-se no braço longo dos cromossomos 17 e 13, respectivamente. Alguns de seus éxons são categorizados por domínios, que terminam por dar origem à proteínas envolvidas com a estabilização e manutenção da integridade genômica.

No contexto clínico, variantes patogênicas nestes genes são correlacionadas com uma maior predisposição ao desenvolvimento de diferentes tipos de cânceres, especialmente o de mama. 

Variantes patogênicas podem ser detectadas por sequenciamento de nova geração e analisadas em softwares de bioinformática, permitindo um direcionamento terapêutico personalizado e contribuindo para a consolidação da medicina de precisão.

Referências

Andreassen, P.R.; Seo, J.; Wiek, C.; Hanenberg, H. Understanding BRCA2 Function as a Tumor Suppressor Based on Domain-Specific Activities in DNA Damage Responses. Genes. 2021

de Oliveira, J.M., Zurro, N.B., Coelho, A.V.C. et al. The genetics of hereditary cancer risk syndromes in Brazil: a comprehensive analysis of 1682 patients. Eur J Hum Genet. 2022

Gorodetska I, Kozeretska I, Dubrovska A. BRCA Genes: The Role in Genome Stability, Cancer Stemness and Therapy Resistance. J Cancer. 2019

Fu X, Tan W, Song Q, Pei H and Li J. BRCA1 and Breast Cancer: Molecular Mechanisms and Therapeutic Strategies. Front. Cell Dev. Biol. 2022

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Guindalini RSC et al. Detection of germline variants in Brazilian breast cancer patients using multigene panel testing. Sci Rep. 2022

Toland, A.E., Forman, A., Couch, F.J. et al. Clinical testing of BRCA1 and BRCA2: a worldwide snapshot of technological practices. Nature Genomic Med. 2018

Armstrong N, Ryder S, Forbes C, Ross J, Quek RG. A systematic review of the international prevalence of BRCA mutation in breast cancer. Clin Epidemiol. 2019

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