Infecções Hospitalares: Diagnóstico por Exame Genético

infecções hospitalares

Um dos principais pontos críticos sobre as infecções hospitalares é o de que elas ocorrem em um ambiente no qual grande parte dos indivíduos encontram-se com a saúde debilitada. Dessa maneira, o emprego de tecnologias avançadas é imprescindível para o controle, monitoramento e tratamento deste tipo de infecção.

Quer entender melhor sobre as infecções hospitalares? Acompanhe o texto! Nele, falamos ainda de resistência a antimicrobianos e o papel do sequenciamento genético no diagnóstico precoce e tratamento das doenças infecciosas adquiridas no meio hospitalar.

O que são infecções hospitalares?

As Infecções Adquiridas no Hospital ou Infecções Hospitalares são aquelas adquiridas dentro do contexto da internação e que podem se manifestar durante ou após a estadia do indivíduo no hospital.

Hospitais e instituições de cuidados prolongados fornecem um nicho ecológico único para a disseminação e multiplicação de bactérias resistentes a antibióticos. 

O ambiente hospitalar é constantemente ocupado por pacientes vulneráveis, e o uso generalizado de medicamentos antimicrobianos e produtos químicos de limpeza cria uma pressão seletiva para a formação e disseminação de bactérias resistentes a medicamentos.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), as infecções relacionadas à assistência à saúde matam aproximadamente 40.000 pessoas por ano. 

Ainda, os dados sobre a prevalência de infecções hospitalares sugerem que elas afetam entre 5% e 20% de todos os pacientes hospitalares no mundo. As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) representam um problema em especial, onde a incidência global combinada de infecção nosocomial é de aproximadamente 34%.

Doenças infecciosas comuns em hospitais

A maioria das doenças resistentes a antibióticos é causada por um pequeno número de espécies bacterianas. Patógenos do grupo ESKAPE (Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter spp.) são os mais comuns.

Além destas, bactéria Clostridioides difficile têm sido associadas a morbidade e mortalidade significativas de pacientes nos últimos anos. Apesar de não ser resistente a antibióticos, suas cepas produtoras de toxinas tem tornado esse organismo uma ameaça urgente à saúde.

Da mesma forma, as bactérias que causam infecções hospitalares compartilham uma variedade de propriedades básicas que auxiliam a sua sobrevivência e disseminação em ambientes de saúde. Essas características incluem:

  • Aquisição de genes de resistência a antibióticos;
  • Trânsito assintomático;
  • Capacidade de persistir em superfícies ambientais, como equipamentos médicos ou sistemas de água, por longos períodos. 

O papel do diagnóstico genético na sepse

Sepse, também conhecida como infecção generalizada, é uma condição potencialmente fatal que ocorre quando o corpo responde de forma anormal a uma infecção bacteriana, fúngica ou viral. O diagnóstico precoce e o tratamento oportuno da sepse são desafiadores porque tanto o tratamento excessivo quanto o subtratamento podem ser prejudiciais.

O diagnóstico de doenças infecciosas, em particular, apresenta complicações por dois fatores:

  1. A ausência de uma apresentação clara de “tempo zero”;
  2. A reação do paciente à doença que o trouxe ao hospital em primeiro lugar.

Pacientes pós-cirúrgicos apresentam uma dificuldade diagnóstica ainda maior porque sinais vitais alterados são esperados. Por outro lado, oferecem uma chance de detecção precoce de infecção, uma vez que os parâmetros biológicos podem ser avaliados em série

Variações precoces em biomarcadores úteis podem permitir o tratamento precoce de infecções pós-operatórias, poupando o paciente dos perigos da sepse não tratada.

O Sequenciamento do Genoma Completo (WGS) é o procedimento padrão-ouro para a detecção de surtos e o monitoramento epidemiológico. A principal motivação para o sequenciamento do genoma do patógeno é o melhor entendimento de ligações epidemiológicas e a resistência a antibióticos. 

Como a genômica pode ajudar no controle de surtos de infecções hospitalares?

O Sequenciamento Genético de Nova Geração (NGS) é uma das principais ferramentas utilizadas no diagnóstico acurado de infecções adquiridas no hospital. Diferentemente de métodos tradicionais, a técnica de sequenciamento permite a identificação de microrganismos sem a necessidade de isolamento em meio de cultivo.

A lista de microrganismos detectados por Sequenciamento Completo do Genoma (WGS) em surtos hospitalares é extensa. Algumas das mais frequentemente isoladas são: 

  • Klebsiella pneumoniae
  • Acinetobacter baumannii; 
  • Staphylococcus aureus; 
  • Enterococcus spp.;
  • Candida spp.;
  • Proteus spp.

O sequenciamento completo do genoma desses organismos fornece uma visão científica e epidemiológica, expondo os diferentes mecanismos de resistência a antibióticos, além de permitir que os pesquisadores investiguem os vínculos de transmissão entre os isolados.

Quando se trata de controle de infecções, o sequenciamento genômico evidencia que todos os serviços, equipamentos e superfícies médicas estão sujeitos a proliferação de microrganismos:

  • Os endoscópios são frequentemente identificados como vetores potenciais de eventos de transmissão.
  • Falhas na preparação e administração do contraste podem levar a surtos de enterococos resistentes à vancomicina.
  • Infecções por Mycobacterium hominis, bem como uma variedade de patógenos resistentes a antibióticos, foram associadas a transplantes de órgãos.
  • Infecções por Mycobacterium chimaera foram rastreadas em unidades de aquecedores-resfriadores de água usadas em casos de cirurgia cardíaca em todo o mundo.

Principais desafios na implementação do diagnóstico genético de infecções hospitalares

A política global para reduzir infecções em hospitais deve incluir uma ação abrangente em vários níveis:

  • Monitoramento e registro minucioso da situação epidemiológica atual;
  • Diagnósticos microbiológicos confiáveis;
  • Adoção de procedimentos adequados com o objetivo de minimizar efetivamente o número de microrganismos resistentes a medicamentos;
  • Sistema de monitoramento de quais antibióticos são utilizados em atendimento ambulatorial e hospitalar.

Existe uma clara associação entre prevenção e controle inadequados de infecções nosocomiais e um aumento nos custos diretos e indiretos suportados pelas instalações médicas. 

Em outras palavras, o uso de tecnologias avançadas na prevenção de infecções adquiridas no hospital pode reduzir significativamente os custos associados ao tratamento dessas infecções.

Dentre os fatores que mais afetam o sistema de saúde estão:

  • Falta de pessoal;
  • Política hospitalar inconsistente em relação ao monitoramento de infecções;
  • Não conformidade com a higiene;
  • Uso indiscriminado de antibióticos;
  • Transferência horizontal de genes entre espécies não relacionadas;
  • Disseminação de cepas multirresistentes em ambiente hospitalar.

Atualmente, em hospitais bem equipados, uma das tecnologias responsáveis por realizar a vigilância destes patógenos é o Sequenciamento de Nova Geração.

As tecnologias de sequenciamento avançaram significativamente nas últimas décadas, permitindo que laboratórios clínicos e de pesquisa começassem a adotar técnicas baseadas em genômica para diagnóstico de infecções, vigilância e gerenciamento de surtos. 

No entanto, ainda existem desafios que devem ser superados, entre eles: 

  • Métodos de captura de fenótipos e informações do histórico do paciente disponíveis para os laboratórios em um formato estruturado e legível para a máquina, sem sobrecarregar desnecessariamente os médicos;
  • Padronização de anotações de dados NGS;
  • O amadurecimento e a validação de ferramentas baseadas em inteligência artificial;
  • Integração estruturada dos resultados do WGS no prontuário médico ou plataformas conectadas.

Perspectivas futuras

Por permitir a detecção rápida de vias de resistência e a regulação da resistência bacteriana, o WGS tem sido um método crítico para a descoberta de medicamentos.

Outra opção intrigante é o método de extinção de quorum (QQ), recentemente descoberta, que previne infecções bacterianas interagindo com a comunicação microbiana célula a célula. 

Os bacteriófagos, também conhecidos como terapia fágica viral, adquiriram popularidade recentemente, pois podem vir a se tornar mais eficazes como terapia medicamentosa que os antibióticos convencionais, uma vez que -em tese- não são tóxicos para as espécies hospedeiras, incluindo a microbiota intestinal, reduzindo o risco de infecções oportunistas.

Apesar de seu alto custo, as injeções de anticorpos monoclonais que visam bactérias são promissoras para o tratamento de doenças.

Além disso, uma equipe de pesquisadores usou cristalografia de raios-X para obter as estruturas 3D de fragmentos ribossomais de Staphylococcus aureus, revelando padrões estruturais únicos específicos para esta cepa bacteriana que poderiam ser usados para projetar um novo medicamento específico para esses patógenos.

Conclusão

O problema de infecções hospitalares e resistência bacteriano é bem descrito na literatura, mas sua resolução permanece desafiadora. Existe uma política global de cuidados multidisciplinares necessários nas instituições de saúde para evitar infecções em pacientes já vulneráveis por outras enfermidades. 

Avanços em tecnologias de sequenciamento NGS, nos fornece novos insights de padrões moleculares e mecanismos de resistência dos patógenos que auxiliam no diagnóstico precoce e no tratamento adequado das infecções hospitalares. 

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