Índice
A biodiversidade na Terra é abundante e a diversidade é ainda mais expressiva quando se trata de microrganismos. Os microrganismos apresentam alto potencial biotecnológico e vêm sendo utilizado na fabricação de alimentos e bebidas, na biorremediação e na produção de combustíveis e enzimas.
No entanto, a estimativa é que apenas 1% do total de microrganismos tenha sido identificado até o momento. Por outro lado, a prospecção de microrganismos vem acelerando progressivamente com as novas tecnologias disponíveis. E, atualmente, é possível analisar simultaneamente o genoma de diversos organismos coexistindo em uma comunidade através de uma abordagem chamada metagenômica.
Metagenômica na identificação de microrganismos
Estudos de identificação de microrganismos eram exclusivamente realizados através do isolamento em meio de cultivo. No entanto, além de o cultivo em laboratório ser uma técnica demorada, muitos microrganismos não são cultiváveis.
As técnicas moleculares por sua vez, permitiram contornar esse problema. Dessa forma, se tornou possível identificar a presença de microrganismos em amostras ou até mesmo sequenciar todo seu material genético sem a necessidade do cultivo em laboratório.
Neste cenário, no final dos anos 90 surgiu um novo campo de estudo das ciências “ômicas”, a Metagenômica. A Metagenômica é o estudo da diversidade, taxonomia e do potencial funcional de uma comunidade microbiana coexistindo em um ambiente. Ou seja, esse estudo se resume em analisar a composição microbiana em diferentes ecossistemas, através da extração do DNA total de uma amostra.
A Metagenômica desempenha um papel crucial para compreender os papéis bioquímicos e interação com fatores bióticos e abióticos de microrganismos não cultiváveis.
Essa análise é utilizada para identificar a microbiota de diferentes ambientes, genes de interesse farmacêutico e industrial ou até mesmo estudar patologias emergentes e suas rotas de transmissão, como foi o caso do novo coronavírus SARS-CoV-2.
Como é realizada a análise metagenômica?
Diferentemente de outras técnicas de identificação de microrganismos, as análises metagenômicas não são realizadas de forma direcionada a um microrganismo específico. O objetivo do estudo é construir as chamadas bibliotecas metagenômicas, contendo o material genético de todos, ou grande parte, dos microrganismos do ambiente analisado. As amostras podem ser coletadas por exemplo de uma superfície, rio, solo ou do intestino de indivíduos ou animais.
Em síntese, a análise metagenômica é composta por 3 etapas principais:
- Coleta da amostra e extração do DNA total
- Sequenciamento do material genético
- Análise de bioinformática
Com o avanço das tecnologias moleculares, se tornou possível sequenciar bilhões de fragmentos de DNA simultaneamente através do Sequenciamento de Nova Geração (NGS). Dessa forma, a técnica permite obter toda a informação genética de diversos microrganismos de uma só vez, técnica conhecida como Shotgun. Também é possível diferenciar os microrganismos em uma amostra, utilizando abordagens mais direcionadas como a amplificação prévia de regiões conservadas, por exemplo o RNA ribossomal 16s de bactérias.


Primeiro estudo global de microrganismos de áreas urbanas
Como citado anteriormente, a metagenômica é uma importante ferramenta para a detecção de agentes patogênicos emergentes, detecção de rotas de transmissão de doenças. Além disso, outra função é a vigilância de microrganismos à medida que adquirem resistência a agentes antimicrobiano (AMR), assim como genes relacionados a essa resistência.
Monitorar a presença de microrganismos ou genes AMR em regiões urbanas é muito importante devido ao aumento progressivo do uso indiscriminado de drogas antimicrobianas.
Nesse cenário, em 2015 foi lançado o consórcio internacional MetaSUB (abreviação para Metagenômica e Metadesign de Metrôs e Biomas Urbanos), que reúne profissionais de vários países.
O consórcio tem por objetivo construir um perfil molecular de cidades ao redor do mundo para identificar a densidade, tipos e dinâmica de metagenomas urbanos e perfis de resistência a antimicrobianos.
Recentemente, o MetaSUB divulgou na revista Cell o primeiro estudo metagenômico de áreas urbanas de escala mundial. O estudo foi realizado em um período de 3 anos e analisou 4.728 amostras de 60 cidades distribuídas nos seis continentes. Os pesquisadores coletaram amostras do ar e de superfícies de áreas urbanas como hospitais e transportes públicos.
Resultados do estudo
Inicialmente os pesquisadores investigaram a distribuição de microrganismos nas regiões urbanas, especialmente para identificar se os ambientes urbanos possuem algum perfil específico de microbiota.
Inicialmente, o estudo identificou cerca de 4 mil espécies conhecidas de microrganismos de áreas urbanas. Destes, identificaram um conjunto comum de 31 espécies de microrganismos em 97% das amostras analisadas.
No entanto, os resultados de distribuição mostraram que cada cidade tem seu perfil molecular de microrganismos, como uma assinatura microbiana, que é impulsionada pela localização geográfica e climática.
O estudo também identificou cerca de 11 mil vírus, 1300 bactérias, 2 Archaea e mais de 800 mil sequências CRISPr que não foram encontradas em bancos de dados de referência.
Quanto ao perfil de resistência a antimicrobianos, os pesquisadores identificaram sequencias de genes AMR, no entanto não necessariamente de forma abundante.
Na Oceania e no Oriente Médio, por exemplo, a análise identificou genes ARM com menor quantidade em relação a outros continentes. Isso pode ser resultado de perfis de utilização de antimicrobianos ou pela própria diferença de geografia urbana entre as cidades.


Por fim, o consórcio desenvolveu um conjunto de ferramentas para acessar e analisar o atlas do estudo global de metagenômica urbana.
As ferramentas oferecem visualizações interativas dos resultados do estudo, os pipelines e figuras analíticas, entre outros. Todos os detalhes do estudo global e de outros realizados pelo grupo estão disponíveis no site metasub.org
Referências
Danko, David et al. “A global metagenomic map of urban microbiomes and antimicrobial resistance.” Cell, S0092-8674(21)00585-7. 2021, doi:10.1016/j.cell.2021.05.002
Dulanto Chiang A, Dekker JP. From the Pipeline to the Bedside: Advances and Challenges in Clinical Metagenomics. J Infect Dis. 2020 ;221(Suppl 3):S331-S340. doi: 10.1093/infdis/jiz151. PMID: 31538184; PMCID: PMC7325616.
Fadiji AE, Babalola OO. Metagenomics methods for the study of plant-associated microbial communities: A review. J Microbiol Methods. 2020 ;170:105860. doi: 10.1016/j.mimet.2020.105860. Epub 2020 Feb 4. PMID: 32027927.
Laudadio I, Fulci V, Stronati L, Carissimi C. Next-Generation Metagenomics: Methodological Challenges and Opportunities. OMICS. 2019; 23(7):327-333. doi: 10.1089/omi.2019.0073. Epub 2019 Jun 12. PMID: 31188063.
Wei, Fuwen et al. “Conservation metagenomics: a new branch of conservation biology.” Science China. Life sciences vol. 62,2. 2019: 168-178. doi:10.1007/s11427-018-9423-3