Os vírus de maneira geral apresentam alta taxa de mutação do seu genoma e essa característica é ainda mais acentuada no caso de vírus de RNA, como o SARS-CoV-2. Em poucas palavras, o vírus replica seu material genético ao longo de uma infecção e erros acontecem de forma natural. Estes erros levam ao surgimento de cópias ligeiramente diferentes do genoma do vírus, o que conhecemos popularmente como linhagens ou variantes virais. Essa variação do genoma viral pode ser benéfica para a circulação do vírus, facilitando o processo de infecção ou escapando do sistema imune do hospedeiro. Se essa variação genética for benéfica, é provável que esse vírus infecte mais pessoas.
No caso de um vírus tão infeccioso como o SARS-CoV-2, é comum a identificação de diferentes variantes, uma vez que o vírus passa facilmente de um hospedeiro ao outro, ocasionando diversos eventos de replicação do seu genoma e consequentemente o acúmulo de mutações.
Variantes do SARS-CoV-2: VOI x VOC
Dentre as diversas variantes do SARS-CoV-2, duas categorias se destacam: Variantes de Interesse (Variants of Intrest – VOI’s) e Variantes de Preocupação (Variants of Concern – VOC’s).
As VOI’s são variantes do SARs-CoV-2 que possuem mutações possivelmente associadas a maior taxa de infecção, evasão do sistema imunológico, escape vacinal e de técnicas de diagnóstico e aumento de severidade da doença. Quando a associação da mutação presente na variante é confirmada com alguma dessas características, ela passa a ser considerada uma VOC.
Hoje, quatro VOC’s são reconhecidas: Alpha (B.1.1.7, identificada primeiramente no Reino Unido), Beta (B.1.351), identificada na Africa do Sul), Delta (B.1.617.2, identificada no India) e Gama (P.1, identificada no Brasil). Essas variantes possuem mutações como E484K, N501Y já associadas a evasão do sistema imunológico e facilidade de infecção.
Essas VOC’s se tornaram rapidamente dominantes onde elas foram inicialmente identificadas e logo em outras regiões geográficas. Porém, de todas as VOC’s identificadas, a Delta se tornou dominante rapidamente na maioria dos países, mesmo aqueles que já eram previamente dominados por outra VOC.
Variante Delta
A variante Delta é duas vezes mais transmissível do que o vírus incialmente detectado em Wuhan em dezembro de 2019 e 50% mais transmissível que a VOC Alpha. Parte do seu maior potencial de infecção foi associado à sua mutação na proteína Spike P681R, já discutida no texto Variante Delta: Mutação P681R da proteína Spike alerta especialistas. Além disso, essa variante já foi associada a menor taxa de neutralização de anticorpos monoclonais e de soros de pacientes convalescentes, sugerindo um escape do sistema imunológico.
De acordo com os dados do monitoramento genômico do projeto SARS-Omics realizado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, a variante Delta se tornou predominante sobre outras variantes circulantes, inclusive sobre a variante Gama (P.1), dominante desde janeiro deste ano.
Nos últimos 30 dias, a frequência da variante Delta foi de 85,2% e já está em 14,2% de frequência no total das mais de 1350 amostras sequenciadas. E vejam que uma nova sub linhagem da Delta (AY.3) já começou a aparecer nos sequenciamentos de São Paulo.


De uma perspectiva mundial, a variante Delta é prevalente na maioria dos países onde o monitoramento genômico é realizado, como é possível observar na plataforma Nexstrain.
Sub linhagem AY
Quando uma VOC se torna predominante em escala global, a análise filogenética pode se tornar complicada, uma vez que apenas a classificação como VOC (Alpha, Beta, Gama ou Delta) pode ser agora muito generalista a respeito de sua variabilidade genômica.
Isso ocorre porque quando uma variante nova é identificada em uma região geográfica, ela pode ser inicialmente idêntica a uma variante em outro continente, porém quando a variante viral já está circulando em determinada região por um determinado tempo, ela acumula mutações que podem ser diferentes daquelas encontradas em outra cidade ou país. As novas versões da variante Delta circulante no Estado de São Paulo por exemplo, já pode ser genomicamente diferente da variante Delta encontrada em Salvador ou Londres e a classificação das duas apenas como Delta torna-se pouco informativa.
Uma maneira de resolver esse problema é usando a classificação de sub linhagens. A variante Delta por exemplo possui um conjunto de variações identificadas como a sub linhagem AY, hoje variando de AY.1 a AY.33. Cada grupo da sub linhagem AY corresponde a uma da VOC Delta com uma ou mais mutações em seu genoma, como visto na imagem.
Essa classificação pode nos ajudar a monitorar novas novas versões da variante Delta de possível importância, como a sub linhagem AY.1 (anteriormente Delta Plus) e AY.2 que possuem a mutação K417N na proteína Spike do vírus, encontrada também na variante Beta e na Gama. Porém nessa última, a mutação gera outro aminoácido (K417T).
Esses dados não implicam necessariamente em diferenças biológicas entre as sub linhagens como atribuídas a classificação de VOIs e VOCs e sim no processo evolutivo resultante da alta prevalência de uma variante dispersa no mundo. Essa classificação é, sobretudo, importante para pesquisadores acompanharem a evolução viral e realizarem estudos filogenéticos com maior fidelidade aos dados observados.
A necessidade de uma classificação mostra a alta diversidade da variante Delta e como ela é infecciosa. Mesmo a variante Gama (P.1) que foi tão dominante no Brasil possui 13 sub linhagens, variando de P.1.1 a P.1.11 em comparação com as 38 sub linhagens da Delta. Além disso, mostra também como a vigilância genômica é importante para entendermos melhor as estratégias evolutivas do SARS-CoV-2 e outros vírus.
Sobre o autor:
Erick Gustavo Dorlass é graduado em Ciências Biológicas e mestre em Microbiologia pela Universidade de São Paulo. Hoje é doutorando em Microbiologia, realizando análise genômica de vírus no Laboratório de Virologia Clínica e Molecular no Instituto de Ciências Biomédicas – Universidade de São Paulo.
Referências:
Planas, D., Veyer, D., Baidaliuk, A. et al. Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization. Nature 596, 276–280 (2021). https://doi.org/10.1038/s41586-021-03777-9
Saathvik R. Kannan, Austin N. Spratt, Alisha R. Cohen, S. Hasan Naqvi, Hitendra S. Chand, Thomas P. Quinn, Christian L. Lorson, Siddappa N. Byrareddy, Kamal Singh, Evolutionary analysis of the Delta and Delta Plus variants of the SARS-CoV-2 viruses, Journal of Autoimmunity 124 ( 2021). https://doi.org/10.1016/j.jaut.2021.102715.