microbioma humano

Projeto Microbioma Humano: NGS e Microrganismos

O microbioma humano é complexo e seu papel ainda se mantém enigmático. Espera-se que o seu domínio seja o caminho para a manutenção da saúde

O corpo humano é dominado por microrganismos que podem atuar como patógenos ou como simbióticos. Seu conjunto caracteriza o microbioma humano que, em sua maioria, é específico para cada parte do corpo. As relações dentro dessa comunidade são complexas e sua harmonia é essencial para a manutenção da saúde de um indivíduo. O entendimento dessa relação foi um dos objetivos do Projeto Microbioma Humano.

O termo “microbioma” foi utilizado por pesquisadores por muitos anos como forma de identificar comunidades microbianas, referindo-se a junção das palavras “microrganismos” e “bioma”. No entanto, atualmente a palavra é diretamente associada ao campo das “ômicas”, área da ciência que estuda estrutura, função e mapeamento de genomas. Dessa forma, microbioma refere-se a comunidade microbiana de um local mas também, ao estudo de seus genomas.

Sequenciamento de nova geração e o aprofundamento dos estudos de microbioma

O método de sequenciamento Sanger foi revolucionário e possibilitou o início dos estudos aprofundados das comunidades microbianas presente no corpo humano, sendo muito utilizado principalmente para classificações taxonômicas e na busca por microrganismos específicos de interesse.

No entanto, após o início do Sequenciamento de Nova Geração (NGS) foi possível aumentar imensamente a gama de microrganismos identificados uma vez que não foi mais necessário realizar cultivo para chegar ao genoma microbiano. Se tornou mais simples realizar comparações entre microbiomas e, dessa forma, identificar quais microrganismos seriam residentes ou transitórios.

É importante a identificação dos microbiomas residentes pois estão associados a estilos de vida saudáveis que, quando alterados, podem ser indicativos de doenças. Sem o avanço do NGS os estudos e exames direcionados às comunidades bacterianas seriam consideravelmente mais difíceis e custosos, inviabilizando uma área de conhecimento que cada vez mais se mostra necessária para a saúde pública.

Projeto Microbioma Humano

A partir de 2012, uma série de publicações foram lançadas como parte do “Projeto Microbioma Humano” e de sua extensão, “Projeto Integrativo de Microbioma Humano”. Esses projetos tinham como objetivo mapear as comunidades bacterianas presentes no corpo humano, analisar as comunidades microbianas e observar suas variações em diferentes partes do corpo de indivíduos em estados de saúde diversos. Suas publicações criaram uma referência sobre quem são os microbiomas residentes, quais são seus metabolismos e qual sua importância no âmbito da saúde pública.

O leite materno é essencial para a formação do sistema imune de recém-nascidos uma vez que carregam compostos bioativos e estão envolvidos no desenvolvimento das comunidades microbianas que formarão o microbioma intestinal inicial do bebê. No entanto, não é o único componente importante para os recém-nascidos quando o assunto é microbioma.  

Pesquisadores observaram que a forma de parto pode estar associada a distúrbios metabólicos e imunológicos em recém-nascidos. No parto por cesariana foi constatado um aumento dessas alterações comparado ao parto normal. Quando um bebê nasce por parto cesariano ele adquire um microbioma diferente dos que nascem por parto normal.

Enquanto os bebês que nasceram por parto normal apresentam maior contato com a microbiota vaginal da mãe, os que nasceram por cesárea tem contato com a microbiota da pele. Dessa forma, as maternidades vêm inserindo o contato dos bebês com a microbiota vaginal da mãe com o objetivo de estimular os que nasceram por cesárea a desenvolverem um microbioma similar aos que nasceram por parto normal, diminuindo a probabilidade de desenvolvimento de doenças.

O microbioma vaginal também se mostrou foco principal de estudos sobre parto prematuro. O microbioma vaginal de mulheres que apresentaram parto prematuro e parto no tempo previsto foram coletados. Os resultados indicaram que há uma alteração nos primeiros três meses da gravidez que, no entanto, não permanece durante todo o período. A quantidade de uma bactéria chamada Lactobacillus crispatus, conhecida por existir em abundância no microbioma vaginal saudável, diminui consideravelmente nos primeiros meses de gravidez em mulheres com parto prematuro. Essa descoberta permite que, ao observar essa característica no início da gravidez, os médicos e a mãe possam estar preparados para ao aumento da probabilidade de parto prematuro, tomando as devidas providências e diminuindo as chances de mortalidade neonatal.

Os processos metabólicos das comunidades microbianas intestinais são de extremo interesse para nós e permitem que sejamos capazes de digerir carboidratos e proteínas assim como absorver seus nutrientes. Além disso, estão relacionadas a proteção contra toxinas e patógenos externos.

Com o objetivo de compreender melhor o papel do microbioma intestinal no desenvolvimento da diabetes tipo 2, indivíduos saudáveis ​​e pré-diabéticos foram recrutados durante quatro anos e tiveram seus microbiomas intestinais e nasais acompanhados. A conclusão que os pesquisadores chegaram foi que os indivíduos saudáveis apresentavam um microbioma intestinal diferente dos pré diabéticos, indicando que há uma composição considerada saudável e que processos como a disbiose, desequilíbrio da flora intestinal, pode estar diretamente relacionada ao desenvolvimento da doença.

O microbioma intestinal é um dos mais estudados atualmente por estar relacionado a tratamentos aplicados com sucesso e pelas diversas associações que ele tem com doenças de origens distintas. Uma baixa diversidade no microbioma intestinal já foi associada a obesidade, assim como alteração na abundância de determinados microrganismos do microbioma já foi associada a pacientes com depressão. A confirmação de que o fator microbioma e não algum outro seja a causa das doenças ainda é questionável em alguns casos.

Ensaios que acompanharam pacientes com e sem síndrome do intestino irritável por um ano identificaram que alterações no que seria o microbioma residente podem ser a origem de inflamações que dão inicio ao desenvolvimento da doença, ou seja, novamente um caso da ocorrência de disbiose.

Ainda há muito para ser elucidado sobre o microbioma do corpo humano para que ele seja usado no combate de doenças, no entanto, alguns tratamentos já são realizados de forma frequente em hospitais e abrem o caminho para os novos métodos que virão.

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Tratamentos aplicados com o foco no microbioma humano

Em 1907 o pesquisador russo Eli Metchnikoff percebeu que pessoas que consumiam uma quantidade diária de leite fermentado, o que seria hoje o iogurte, viviam por mais tempo. Sua hipótese foi que neste leite estavam presentes bactérias produtoras de ácido lático que teriam a capacidade de neutralizar toxinas liberadas no intestino por outros microrganismos.

 Foi o primeiro uso do que hoje são os probióticos, bactérias ou leveduras normalmente residentes no microbioma humano que são encapsuladas e utilizadas para regular a flora intestinal. O uso de probióticos abriu caminho para outros tratamentos focados no uso de comunidades bacterianas para regular a microbiota.  

O transplante de microbiota fecal é um método de tratamento utilizado para doenças como gastroenterite aguda, síndrome do intestino irritável e úlcera. Ela envolve a infusão de fezes de um doador humano saudável por endoscopia ou enema no intestino do paciente.  Seu uso atualmente é focado no tratamento de infecção por C. difficiles, no entanto, apresentou melhoras consideráveis para pacientes com síndrome de intestino irritável , com a cura sendo observada para parte dos pacientes.

O transplante de microbiota fecal também ganhou visibilidade por ser um inimigo natural de bactérias patógenas diminuindo a necessidade do uso de antibióticos e, consequentemente, podendo ser parte da solução para o aumento sucessivo da presença de bactérias resistentes.

Com o desenvolvimento do NGS se tornou uma realidade o estudo do microbioma como um exame de rotina. A análise de microbiomas ambientais ou humanos são realizadas por sequenciamento de regiões conservadas do DNA bacteriano, como o RNA 16s ribossomal, regiões associadas a identificação de fungos, como a ITS (Internal transcribed spacer), ou o sequenciamento do material genético completo da amostra, a metagenômica, que identifica não só todos os microrganismos presentes, mas também seus genes funcionais. A decisão sobre qual metodologia escolher depende do que o médico deseja aprofundar para chegar ao tratamento ideal de seu paciente.

Qual é o futuro do estudo de microbiomas?

No momento o microbioma está em foco e é alvo de investimentos de diversos setores na busca por novas terapias. Grupos de pesquisadores pelo mundo inteiro buscam incessantemente associações entre o microbioma e a presença ou ausência de doenças.

O desenvolvimento do NGS e das análises de bioinformática também se aperfeiçoam mais a cada ano gerando dados mais confiáveis, permitindo estudos aprofundados de genômica comparativa e diversificando as possibilidades para os tratamentos focados em microbioma.

A utilização da metagenômica no estudo do microbioma humano gera expectativas para grandes avanços no futuro dos diagnósticos. Seu custo diminui sucessivamente e, através dele, é possível identificar de forma rápida a presença de patógenos ou a alteração da microbiota regular de um indivíduo garantindo um tratamento mais eficiente. Especula-se que no futuro o monitoramento do microbioma pode se tornar um exame regular para orientação da manutenção da saúde.

Apesar da enorme quantidade de dados que está disponível sobre microbioma, muitos ensaios promissores só foram realizados em animais levantando o questionamento de sua veracidade quando projetado no corpo humano. No entanto, a descoberta de tratamentos como transplante de microbiota evidenciam a necessidade de mais estudos para consolidar o uso do microbioma como uma forma de terapia e também como um sinalizador para a possibilidade do desenvolvimento de uma doença. 

Referências

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