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O câncer é considerado o “mal do século” e muitas são as metodologias utilizadas atualmente na busca de sua cura. O transcriptoma espacial, por exemplo, procura revelar padrões de expressão gênica nos microambientes tumorais e associá-los ao desenvolvimento de terapias.
Formado a partir de um crescimento celular anormal, o tumor ao progredir gera um microambiente que engloba diversos componentes. Atualmente esse microambiente tumoral vêm sendo alvo de estudos ômicos especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de quimiorresistência, apresentando tanta relevância quanto o estudo de células tumorais individuais.
O transcriptoma consiste no sequenciamento de RNAs transcritos de uma amostra sendo, portanto, um reflexo de sua expressão gênica. É interessante o estudo de transcriptomas referentes a tecidos tumorais pois podem auxiliar não só na diferenciação entre maligno e benigno, mas também na resposta imunológica frente a diferentes tipos de terapia.
O que é o microambiente tumoral?
Á medida que um tumor cresce e se desenvolve, ele gera o chamado microambiente tumoral composto por vasos sanguíneos, células do sistema imune, matriz extracelular e moléculas bioquimicamente diversas. Os tumores e seu microambiente estão em constante interação.
Todos esses componentes têm efeito direto na iniciação, progressão e nos processos de metástase de um tumor. Especialmente as células imunes, que além de falhar em suas funções antitumorais muitas vezes são cooptadas para promover o crescimento do tumor.
Durante muitos anos esses microambientes são foco dos pesquisadores que buscam a compreensão das vias celulares de modo a elucidar estratégias terapeutas eficientes que ativem respostas antitumorais.
O sequenciamento de nova geração e os microambientes tumorais
A princípio os estudos focados em microambientes tumorais eram, em sua maioria, de imunohistoquímica. No entanto existe uma grande desvantagem nessas metodologias uma vez que é necessário ter um conhecimento prévio sobre os tipos celulares estudados.
Para resolver essa questão, metodologias focadas em sequenciamento de nova geração começaram a ser utilizadas. Existem três principais metodologias “ômicas” para estudo de microambientes tumorais atualmente:
- Análise do tecido completo: O tecido inteiro é lisado e o material de interesse sequenciado. Nele, a comparação mais comum é feita entre amostras pois sua detecção é menos específica.
- Análise de célula única (single cell): Isolar, lisar e sequenciar células individualmente. Mais específica, é capaz de revelar a identidade dos tipos celulares em uma amostra, assim como suas diferenças.
- Análise espacial: Fixar, seccionar e sequenciar tendo como resultado uma imagem. Revela a estrutura do tumor e as funções celulares por meio das análises de expressão gênica e proteica de um tecido seccionado intacto.
As análises de transcriptoma em massa unem as transcrições de células cancerosas com não cancerosas e suas abundâncias precisam ser separadas por análise de dados computacionais nem sempre refletindo de forma precisa a realidade.
As metodologias single cell são, em sua maioria, utilizadas para caracterizar as células imunes presentes nos microambientes tumorais e observar o seu papel nas reações imunológicas frente a terapias. No entanto, ainda há poucos pacientes com taxas de resposta positivas, indicando a necessidade de novas estratégias.
Os métodos multimodais de sequenciamento single cell foram descritos como “Método do ano” de 2019 pela Nature Methods evidenciando a importância de unir diferentes áreas de conhecimento para uma maior obtenção de dados e um resultado mais robusto. Os estudos espaciais são um bom exemplo, visto que unem histologia e sequenciamento de nova geração.
Dessa forma, o transcriptoma espacial é considerado um avanço no que diz respeito ao estudo single cell uma vez que permite a compreensão da expressão celular em seu contexto morfológico, auxiliando no mapeamento dos microambientes tumorais, no diagnóstico e na eficiência das imunoterapias.


Transcriptoma espacial na prática
Revolucionário e desafiador, o transcriptoma espacial encontrou obstáculos principalmente no seu desenvolvimento prático. O tecido seccionado e imobilizado é fixado em um chip antes de ser feita sua coloração. O tecido é permeabilizado para que o RNA seja liberado e capturado por oligos na matriz. Na superfície do chip há primers RT com um código de barras de identificação espacial exclusivo que permite o rastreamento no tecido de forma específica. Esse RNA será reversamente transcrito e sequenciado. Uma imagem então é formada que expõe os padrões de expressão gênica nas regiões do tumor.
O pesquisador Joakim Lundeberg, um dos pioneiros no estudo do transcriptoma espacial, revela que uma das maiores dificuldades no desenvolvimento dos protocolos foi garantir que a histologia e o sequenciamento andassem lado a lado, garantindo que na captura do RNA a morfologia não fosse perdida. Para validar a abordagem, a equipe usou nucleotídeos fluorescentes durante a síntese do cDNA para monitorar a posição do RNA comparando com a mesma estrutura tecidual analisada por métodos histológicos.
De início, essa metodologia foi utilizada para estudos de tecidos cerebrais, no entanto, não demorou para que fosse aplicada em tecidos cancerígenos. Apesar de sua limitação de resolução na marcação dos chips, que atualmente varia entre 50-100 µm, ela permite análises de mapeamento de expressão gênica em um microambiente tumoral e descreve atividades gênicas específicas, permitindo comparações entre regiões de um mesmo tumor ou de tumores diferentes.
O transcriptoma espacial e as imunoterapias
De uma forma geral as imunoterapias visam estimular as células T assassinas para que elas combatam o câncer. No entanto, nem sempre essa estratégia traz benefícios e a compreensão do porquê se mostra essencial para a manutenção da saúde desses pacientes.
Com o transcriptoma espacial é possível não só observar aonde as células imunes estão, mas também seu estágio e como estão acontecendo as interações entre o tumor e o sistema imune. Isso permite que se compreenda melhor a ineficiência de um tratamento.
Um dos objetivos do transcriptoma no que se refere aos estudos de células cancerígenas está no uso da expressão gênica como uma forma de distinguir células malignas de benignas. A capacidade de posicionar as células e identificar seus comportamentos dentro de um tumor é o diferencial da transcriptômica espacial em comparação as abordagens não genômicas.
Através da utilização de tecnologias de sequenciamento de nova geração, os perfis genéticos dos tumores e das atividades imunológicas dos pacientes são testados no que diz respeito a expressão gênica, permitindo a identificação da resposta imunológica dos pacientes frente a diferentes imunoterapias.
Estudos de transcriptoma espacial no microambiente tumoral
Em 2018 um estudo aplicou a metodologia de transcriptoma espacial no mapeamento da expressão gênica em tumor de próstata. O grupo percebeu que na periferia do tumor ocorre uma ativação de vias de sinalização relacionadas ao estresse, inflamação e formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) que podem estar relacionadas com a formação e progressão do tumor.
Pacientes com melanoma também foram estudados para avaliar sua resposta a terapias contra progressão de câncer. Nesses estudos, foi demonstrado que as células B em estruturas linfóides terciárias, quando presentes em tumores, indicavam uma resposta favorável a imunoterapia. Ao mesmo tempo, o recrutamento e a ativação de neutrófilos no microambiente tumoral indicam uma resposta ineficiente as imunoterapias. Esses resultados indicam que é possível ampliar as imunoterapias focadas em células T com outros tipos celulares.
Outra aplicação extremamente interessante dessa metodologia está na prevenção de resultados clínicos, aonde algoritmos de dados transcriptômicos conseguem classificar as regiões do câncer de mama com precisão e permitem uma detecção precoce do desenvolvimento dos tumores. Da mesma forma, esses dados poderiam dar sinais de processos de metástase.
Considerações finais
Muitas tecnologias referentes aos estudos das ômicas espaciais estão ainda em desenvolvimento, mas é inspirador pensar que há alguns anos fazia parte apenas do imaginário conseguir mapear de forma tão precisa a expressão gênica das formações tumorais.
O complemento dos estudos de transcriptoma espacial com outras “ômicas” como metabolômica e proteômica são o futuro do estudo de microambientes tumorais e à medida que a prática dessas metodologias se tornam mais viáveis economicamente, é uma questão de tempo para se tornarem rotineiras em ambientes clínicos.
Referências
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- Nature research- Sequencing-based spatial analysis maps the tumor microenvironment. 2020