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Certamente você já ouviu falar sobre genes, sobre o dogma central da biologia (DNA transcrito em RNA mensageiro, que é traduzido em proteína), e sobre alguns RNAs que não são transcritos em proteína. Você também já deve ter ouvido falar sobre pseudogenes, mas você sabe o que de fato é um pseudogene?
Basicamente, pseudogenes são sequências genômicas semelhantes a outros genes, mas que têm sua função comprometida. Em 1977, Jacq e colaboradores usaram o termo ‘pseudogene’ para descrever um RNA ribossomal 5S truncado em Xenopus laevis.
Na ausência de evidências de que o pseudogene 5S era transcrito, o grupo de pesquisadores concluiu que a explicação mais provável para sua existência é que eles seriam relíquias da evolução, e que não teriam uma função definida.
Análises sobre a presença e ausência de pseudogenes revelou pontos importantes sobre uma ampla gama de tópicos, incluindo por exemplo, sobre a evolução qimiossensorial e adaptações a respeito da vida aquática.
Hoje sabemos que o genoma humano contém aproximadamente 14.000 pseudogenes identificados e que, realmente, são resquícios do processo de nascimento e morte da evolução molecular.
Os principais tipos de pseudogenes eucariotos
A classificação dos pseudogenes é baseada no seu mecanismo de origem, e contempla quatro principais classes:
- Pseudogenes processados, derivados da retrotransposição do RNAm (RNA mensageiro) processado;
- Pseudogenes não processados, derivados de duplicação segmental;
- Pseudogenes unitários, formados sem duplicação quando um gene original é inativado através de mutações, e então não restam cópias funcionais desse gene;
- Pseudogenes polimórficos, são raros e apresentam mutações incapacitantes no genoma de referência, mas estão intactos em alguns indivíduos.
Por que um organismo mantém os pseudogenes?
Essa é uma questão que intriga pesquisadores há muito tempo, já que manter os pseudogenes requer um custo energético alto a ser pago a cada replicação. Teoricamente, a replicação destes genes seria um processo bioquímico desvantajoso ao longo das gerações.
Então, porque a seleção natural não seria capaz de remover esses elementos? Quais são os potenciais benefícios de manter essas sequencias que não codificam proteínas? Porque genes amplamente expressos são mais tendenciosos a produzir pseudogenes? Os pseudogenes acumulam diversos tipos de mutações, incluindo as deletérias, para proteger genes funcionais?
Sabe-se que as cópias adicionais de genes funcionais acumulam mutações, e isso mantem o gene original funcional. Ainda, publicações recentes têm indicado que alguns pseudogenes exibem papeis funcionais como de expressão e regulação gênica.
Uma vez que esses acumulam mutações ao longo dos anos, é possível que o número de mutações das moléculas seja também capaz de apresentar uma estimativa da sua idade.
Muitos pseudogenes apresentam mutações conservadas em espécies diferentes, e acredita-se que essas mutações conservadas e compartilhadas têm origem a partir de um descendente comum.
Ainda, o locus de inserção de um pseudogene determina sua evolução, já que inserções deletérias serão selecionadas e o pseudogene será perdido, enquanto que inserções não deletérias podem persistir ao longo do tempo.
Pseudogenes bem estabelecidos podem passar para a próxima geração e podem ser parcialmente duplicados para dar origem a um segundo pseudogene.
Estudos futuros sobre a evolução destes podem trazer inúmeras informações sobre os mecanismos de ação e as vantagens da sua conservação.
Dessa forma, os pseudogenes apresentam uma ferramenta interessante e poderosa de estudos filogenéticos para investigar a evolução genômica.


Identificando os pseudogenes
Identificar os pseudogenes é fundamental para compreensão da anotação genômica e de mecanismos moleculares relacionados a doenças. A grande similaridade das sequências de DNA entre pseudogenes e seus genes parceiros funcionais impõe um grande desafio aos cientistas.
Existem predições da quantidade de pseudogenes que o genoma humano contempla, no entanto, ainda não é possível informar com exatidão, já que estes podem estar presentes em praticamente qualquer lugar do genoma.
A complexidade de identificação pode ser driblada a partir de analises in silico. Em genomas eucariotos, os pseudogenes são identificados através de pipelines de bioinformática ou anotação manual.
Inicialmente, os pseudogenes são identificados em buscas por sequencias semelhantes a genes conhecidos, a ausência de introns, a ocorrência de regiões truncadas, e alterações nos quadros de leitura da sequencia de DNA em relação ao gene de origem.
Geralmente, são utilizadas diversas combinações de características para a identificação de pseudogenes. A ausência de introns e de evidências concretas de transcrição são teoricamente suficientes para identificar um pseudogene processado, por exemplo.
No entanto, ainda há algumas divergências e falhas nesses processos, e então, é sugerido que talvez uma boa abordagem seja considerar a anotação de um pseudogene no genoma como uma predição ou uma hipótese, e não como uma classificação propriamente dita.
O papel evolutivo dos pseudogenes
Conforme os mecanismos relacionados aos pseudogenes foram sendo desvendados, os mecanismos relacionados ao surgimento de novos genes também foram sendo melhor compreendidos.
Inicialmente os pseudogenes eram considerados relíquias evolutivas, e seu papel é extremamente importante para genômica comparativa e evolucionária, já que fornecem informações sobre os genes ancestrais.
A identificação de pseudogenes é importante para determinar a taxa e a idade da duplicação do gene. O caráter neutro das suas regiões auxilia na determinação de diferentes formas e taxas de sequências e evolução dentro da sequência de um organismo, e entre diferentes organismos.
Ainda, ao longo dos anos de estudos sobre os pseudogenes, tem sido observado que estes não são apenas resquícios evolutivos, e que podem desempenhar papéis importantes em diversos processos bioquímicos dos seres humanos.
Os pseudogenes estão relacionados, principalmente, com a regulação da expressão gênica, especialmente do seu gene de origem, e esse fato tem sido demonstrado em diversos estudos relacionados a doenças como, por exemplo, o câncer.
Pseudogenes e câncer
A expressão de pseudogenes em câncer é muito específica dependendo do tecido e do tipo de tumor, e suas funções podem variar, já que alguns atuam como supressores, enquanto outros estão relacionados a tumorigênese e tipos de câncer mais agressivos.
Por exemplo, a proteína PTEN é conhecidamente supressora tumoral, e é regulada por miRNAs (micro RNAs). PTENP1 é o pseudogene derivado do gene PTEN, e pode ligar-se ao mesmo miRNA que o gene original, dessa forma, PTENP1 absorve os miRNAs que se ligariam ao mRNA de PTEN, permitindo que mais mRNA (RNA mensageiro) de PTEN seja traduzido em uma proteína funcional.
A ausência de expressão de PTENP1 leva a tumorigênese, uma vez que há menos PTEN sendo produzido, assim, PTENP1 atua como um supressor tumoral.
A proteína BRAF também tem um papel importante na sinalização celular envolvendo MAPs, e que resultam em crescimento e proliferação celular.
BRAF está frequentemente mutada em diversos tipos de câncer, e estudos indicam que o pseudogene de BRAF encontra-se mapeado próximo ao gene original. No caso de câncer de tireoide, por exemplo, a expressão do pseudogene de BRAF está negativamente associada a mutações de BRAF.
E ainda, no caso de linfomas de células B, frequentemente são detectadas alterações transcricionais ou genômicas no pseudogene BRAF, sugerindo um significado clínico para essas alterações.
Esses são apenas alguns exemplos das interações conhecidas entre gene, pseudogene e regulação da expressão gênica. Essas interações mostram a importância dos pseudogenes na regulação gênica, e que essa relação pode ter um impacto importante em diversos pontos do processo tumorigênico.
Até o momento, existem evidências suficientes de que os pseudogenes desempenham um papel importante para o câncer. No entanto, sua função e os mecanismos de ação ainda estão sendo melhor determinados.
Considerações finais
Apesar de não ser claro quais pseudogenes identificados até o momento são realmente expressos ou não, pelo menos uma parcela desses pseudogenes foi confirmada experimentalmente, em particular aqueles cujos genes de origem são expressos abundantemente.
Um achado bem interessante em relação a esses estudos é que os níveis dos genes de origem são de fato afetados pela expressão dos pseudogenes.
Um grande desafio para os estudos com pseudogenes parte do fato de que existe uma grande homologia de sequência entre o gene de origem e o pseudogene, com exceção dos pseudogenes que não apresentam genes de origem.
Essa homologia na sequência de DNA torna muito difícil de detectar o pseudogene, assim, a falta de primers ou sondas específicas para os pseudogenes de interesse torna a detecção destes por técnicas de array, RT-PCR ou FISH inviáveis.
Ainda, devido à falta de capacidade de codificação de proteínas, também não é possível utilizar técnicas que detectem a expressão por métodos de imunohistoquímica como western blot. É necessário que haja avanços nas tecnologias de detecção e análise dessas sequências, e estamos cada vez mais caminhando para isso.
A pesquisa sobre pseudogenes ainda está em estágios relativamente iniciais, e ainda há muito a ser compreendido e decifrado. Acredita-se que é possível utilizar o nível de expressão dos pseudogenes como possível marcador prognóstico, ou possível alvo terapêutico.
Estudos futuros devem esclarecer e explorar cada vez mais o entendimento das funções e relações entre pseudogenes e genes de origem, e de fato, fica claro que os pseudogenes não são “lixo” genômico, ou somente relíquias da evolução como foi proposto por muito tempo, e que de fato são clinicamente relevantes.
Referências
- Jacq, C., Miller, J. R. & Brownlee, G. G. A pseudogene structure in 5S DNA of Xenopus laevis. Cell 12, 109–120. 1977.
- B. Pei, C. Sisu, A. Frankish, C. Howald, L. Habegger, X.J. Mu, R. Harte, S. Balasubramanian, A. Tanzer, M. Diekhans, et al. The GENCODE pseudogene resource Genome Biol., 13. 2012
- Karreth F.A., Reschke M., Ruocco A., Ng C., Chapuy B., Leopold V., Sjoberg M., Keane T.M., Verma A., Ala U., et al. The BRAF pseudogene functions as a competitive endogenous RNA and induces lymphoma in vivo. Cell. 161:319–332. 2015
- Lister N., Shevchenko G., Walshe J.L., Groen J., Johnsson P., Vidarsdottir L., Grander D., Ataide S.F., Morris K.V. The molecular dynamics of long noncoding RNA control of transcription in PTEN and its pseudogene. Proc. Natl. Acad. Sci. USA.114:9942–9947. 2017