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Os possíveis casos de reinfecção pelo novo coronavírus tem sido muito discutido. É preocupante que indivíduos que já adquiriram a infecção voltem a se contaminar, sugerindo que a população pode não ser permanentemente imunizada contra o vírus SARS-CoV-2. Apesar de soar como uma surpresa, este na verdade é um comportamento comum em vírus respiratórios, que infectam pessoas de estação em estação. É o caso do vírus da gripe (Influenza), os vírus do resfriado comum (Rhinovírus), ou mesmo de outros Coronavírus parentes bem próximos do SARS-CoV-2.
Gripes, resfriados e outras infecções do trato respiratório
Vírus respiratórios são a causa mais comum de infecções respiratórias agudas, sendo muito frequente em crianças. Dependendo da estação, da região geográfica e de surtos, um determinado vírus pode ser mais comum do que outro. Os diversos tipos de Influenza A e B, por exemplo, são conhecidos por causar as gripes. Estas geralmente apresentam quadros mais agudos e prolongados, podendo ter sintomas que duram até 7 dias ou mais. Já os resfriados comuns podem apresentar quadros mais brandos e de duração menos prolongada, geralmente de até 3 ou 4 dias.
Levando em conta esta diferenciação, é comum que as pessoas digam que estão gripadas quando na verdade estão resfriadas, pois estes últimos são mais frequentes. Existem também muitos outros vírus como Parainfluenza, Vírus Sincicial Respiratório (RSV), Metapneumovírus, Adenovírus e algumas bactérias que causam quadros semelhantes e tornam muito difícil a diferenciação dos quadros apenas pelos sintomas.
Falando mais especificamente sobre os resfriados, existem muitos vírus respiratórios que podem causar este quadro, sendo os mais comuns: Vírus Sincicial Respiratório (RSV), Rhinovírus (HRV), Metapneumovirus (HMPV), os Parainfluenza e vírus da família Coronavírus. Dentre estes últimos (o que pode parecer surpresa para muita gente), existem três “primos” do SARS-CoV-2 que estão entre as causas mais frequentes de resfriados comuns, chamados de Coronavírus 229E, Coronavírus OC43, e Coronavírus HKU1.
Ambos os vírus infectam as pessoas de forma sazonal, causando resfriados de tempos em tempos. Embora não se saiba muito ainda sobre o padrão que será estabelecido pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, desconfia-se que seja similar ao dos seus “primos” 229E, OC43 e HKU1.
O que torna os vírus respiratórios sazonais
Ainda não se sabe ao certo o porquê de tantos vírus respiratórios serem sazonais, mas acredita-se que seja por três fatores principais:
- O primeiro deles seria a resposta imune do hospedeiro, que tende a diminuir de intensidade ao longo do tempo. Em outras palavras, a concentração de anticorpos neutralizantes para um determinado vírus no sangue diminui ao longo do tempo. É no mínimo curioso que o contato com alguns vírus como o da poliomielite nos forneça resistência duradoura ao longo da vida, enquanto o contato com alguns vírus respiratórios não perdure.
- O segundo fator diz respeito ao próprio vírus, que adquire mutações ao longo das estações e podem produzir antígenos totalmente diferentes. Estas mutações concentram-se na parte externa do vírus, como por exemplo na proteína Spike dos coronavírus. Já comentamos sobre estas mutações e suas possíveis implicações em SARS-CoV-2 no texto: Nova variante inglesa do Sars-CoV-2 e monitoramento de mutações na proteína Spike.
- O terceiro e último fator pode parecer um pouco óbvio, pois trata-se do próprio clima. Diferentes condições de temperatura e umidade podem favorecer a transmissão de aerossóis, e também influenciar comportamentos humanos como permanecer em lugares fechados e com pouca circulação de ar.


Casos de reinfecção por COVID-19
O primeiro caso documentado de reinfecção pelo novo coronavírus aconteceu em um paciente de 33 anos de Hong Kong. O paciente apresentou sintomas e RT-PCR positivo em Março de 2020, se recuperou e em Agosto voltou a apresentar resultado positivo pelo exame de RT-PCR. Nestes casos, existem sempre a dúvida se seria mesmo uma reinfecção ou uma reativação do mesmo vírus da primeira infecção que pode ter permanecido no organismo de forma crônica.
Por isso, a prova definitiva de uma reinfecção precisa ser produzida pelo sequenciamento do genoma do vírus de ambas as amostras e posterior comparação por análises de bioinformática. Estas análises podem finalmente concluir pelo número de diferenças observadas se o vírus é o mesmo, ou se estamos observando outra linhagem do vírus em tempo e espaço geográfico distintos. Infelizmente, são poucos os laboratórios que disponibilizam este tipo de exame em rotina, como é o caso do Hospital Albert Einstein.
Após este primeiro caso, muitos outros têm sido documentados pelo mundo, inclusive aqui no Brasil. Soma-se a isto, o fato de que mais e mais evidências têm se acumulado no sentido de que a intensidade da resposta imune do hospedeiro tende a diminuir ao longo dos meses. Estamos convivendo com este vírus há meses e não temos informações suficientes para chegar a uma conclusão a respeito de reinfecções e da eficiência prolongada de uma vacina. Contudo, muitas evidências indicam que a infecção por SARS-CoV-2 deve se comportar de forma similar às gripes e resfriados comuns.
Autores
Deyvid Amgarten, Doutorando em Bioinformática e Genômica Viral pela Universidade de São Paulo. Bioinformata no Hospital Israelita Albert Einstein e no projeto SARS-Omics
João Renato Rebello Pinho, Médico Patologista Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Departamento de Medicina Laboratorial do Hospital Israelita Albert Einstein. Pesquisador responsável do projeto SARS-Omics
Referências
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Re-infection by a Phylogenetically Distinct Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 Strain Confirmed by Whole Genome Sequencing. Disponível em: <https://academic.oup.com/cid/advance-article/doi/10.1093/cid/ciaa1275/5897019>
CHOWDHUTY, A; HOSSAIN, N; ABULKASHEM, M; ABDUSHAHID, M; ALAM, A. Immune response in COVID-19: A review. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1876034120305670>
MORIYAMA, Miyu; HUGENTOBLER, Walter J.; IWASAKI, Akiko. Seasonality of Respiratory Viral Infections. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32196426/>